É difícil encontrar no Nordeste, um cozinheiro ou uma dona de casa que

No Nordeste se come cuscuz com manteiga, cuscuz com ovos, cuscuz com charque, carne ensopada ou de sol , cuscuz com frango, cuscuz com queijo, cuscuz com leite e açúcar e por aí vai. O consumo principal é no café da manhã. Em algumas casas, o costume se repete no jantar, ou café da noite. Com menos frequência, tem até quem coma cuscuz no almoço, principalmente desmanchado como farofa.
Hoje o cuscuz está presente nas mesas de todas as classes sociais da região, da mais rica à mais pobre, mas nem sempre foi assim. No Brasil colonial, o prato era visto como um alimento de segundacategoria, reservado apenas aos escravos e às famílias de trabalhadores braçais.
O próprio milho tinha um status inferior a outras culturas - como algodão, cana de açúcar e café - , por não ser considerado lucrativo e destinar-se exclusivamente à subsistência familiar. Já entre os escravos, o cereal tinha um significado que ultrapassava as esferas nutricional ou econômica, e assumia um caráter sagrado, constituindo uma das principais oferendas ao orixá Oxossi, divindade relacionada à caça e à comunidade. Suas sementes simbolizavam prosperidade e suas folhas traziam boa sorte. E isso acabava aumentando a importância do cuscuz nas senzalas.
Uma herança dos berberes
Dos berberes, o cuscuz nordestino herdou, principalmente, o modo de fazer - com cozimento a vapor -, e a cuscuzeira – taseksut em berbere e kiskas em árabe – usada desde a idade média no Magreb. Herdou, ainda, alguns tipos de acompanhamento, como carne ou frango ensopados, embora no caso berbere os guisados de carneiro ou de legumes sejam mais frequentes, em muitos casos acompanhados de frutas secas.
O uso do milho foi uma adaptação brasileira, pela abundância do cereal e por uma provável influência indígena. A matéria prima do cuscuz berbere – que conhecemos como cuscuz marroquino – é a sêmola de trigo. Outra diferença é que o cuscuz nordestino é geralmente feito em forma de bolo para ser cortado em fatias, enquanto o segundo é servido soltinho, com aparência de farofa**.
A convivência entre os berberes e árabes por cerca de sete séculos fez
com que a iguaria fosse levada para o Maxerreque – em Árabe, Levante ou
Oriente –, região que inclui todos os países árabes a leste da Líbia. O Egito,
por exemplo, repete uma tradição do Marrocos de cuscuz doce, servido como sobremesa.
E o mais curioso é que o cuscuz do Magrebe chegou também a Israel, levado pelos
judeus que deixaram a Península Ibérica.
O cuscuz paulista
Outra diferença importante é que o cuscuz paulista é servido no almoço e
no jantar enquanto o do Nordeste compõe principalmente a mesa do café da manhã
e do café da noite. Sorte nossa que, se soubermos fazer os dois ou encontrarmos
quem saiba, podemos nos deliciar com o nordestino no café da manhã e com o paulista
no almoço, deixando para a noite a possibilidade de repetirmos um ou outro.
** Talvez por praticidade. Muitos hotéis e restaurantes do Nordeste, especialmente os de esquema ‘self service’, adotam o cuscus desmanchado em forma de fatofa, mas esta não é a tradição da maior parte do Nordeste.
*** Alguns países africanos têm pratos similares ao cuscuz, mas os nomes são diferentes e não há evidências de que tenham se originado no cuscuz berbere.
Cuscuz – Nordeste – Brasil – América do Sul
Jornalista - MTB: 335 DRT-SE / Linkedin / Lattes
Fotos:
(1,3,4) Germana Gonçalves de Araújo - @editoracodice
(2) Wikimedia - Usuário:Toluaye, Domínio público,
(5) Domínio público - Luce Ben Aben - Library of Congress Prints and Photographs Division Washington, D.C. 20540 USA
(6) Dominio público.
(7) Rainer Zenz , Wikimedia CC BY-SA 3.0.
(8) Everton137, Wikimedia CC BY 3.0
Referências:
Livros:
--------------------------------------------------------------------------------------------------------
Gostou da matéria? Você pode deixar um comentário a seguir expressando sua opinião. E se quiser ajudar a aumentar a visibilidade do blog, é só divulgar esta postagem nas redes sociais. Basta clicar, aqui abaixo, no ícone de sua rede preferida e compartilhar.
Para ler sobre outros lugares de memória, clique nos links abaixo:
Tilonia
Passagens parisienses
Mussuca
Paranapiacaba
São Cristóvão
Oráculo de Delfos
Candeal
Azulejos portugueses
Guadix
Piriápolis
Como sempre, importantes e ricas informações. Parabéns
ResponderExcluirQueria muito saber seu nome. Da próxima vez não esqueça, ok?
ExcluirExcelente Sylvia. Há realmente uma arte em fazer um bom cuscuz nordestino...nem sempre o simples é fácil!
ResponderExcluirCom certeza. Disse isso não apenas como repórter mas, principalmente, como nordestina kkk Eu não consigo fazer um cuscuz especial, mas conheço gente que consegue rsrsr
ExcluirBem Silvinha, como nordestino não tenho dúvidas da necessidade de um bom cuscuz de manhã cedo. Mas, depois desse seu fantástico mergulho no assunto, toda manhã vou me sentir dando um grande passeio pela história.
ResponderExcluirEsta é a ideia do blog kkk fazer com que as experiências se tornem mais significativas rsrsr Tô brincando.
ExcluirGostei muito Sylvia da matéria. O meu faço assim para cada xícara do pó do milho, meia xícara de água e uma colher de sobremesa de tapioca em pó e sal. Como todos os dias. Parabéns prima pela reportagem.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário e pela receita. Beijo
ExcluirDepois de meses em casa, hoje estou indo ao Mercado Central e vou aproveitar para comer um cuscuz com carneiro. Muito interessante a história desse prato tão marroquino.
ResponderExcluirPena que você não deixou seu nome. Da próxima vez não esqueça.
ExcluirMatéria maravilhosa!!
ResponderExcluirObrigada, Paulo!
ExcluirMatéria Maravilhosa!!! Parabéns Sylvia!!!
ResponderExcluirObrigada, Paulo. Que bom que gostou.
ExcluirExcelente postagem, é realmente um patrimônio gastronômico. Eu moro em SP e aqui em casa consumimos cuscuz com atum ou frango, adorei conhecer mais sobre a história.
ResponderExcluirexistem muitas variações, não é mesmo? todas ótimas.
ExcluirGosto demais de cuscuz Sylvia, e concordo que ele é um patrimônio cultural
ResponderExcluire gastronômico do Nordeste. Sou nordestina, baiana e sempre tive cuscuz à
mesa, desde criança. E gosto muito do cuscuz paulista também que vim a
conhecer bem mais tarde, com minhas andanças por aí. Adorei conhecer sobre
as origens dessa comida que mata a fome de tanta gente por aqui. Obrigada.
Eu que agradeço. Pela leitura e pelo comentário. Toda quinta tem matéria nova no blog. Acompanhe!
ExcluirQuando estive no nordeste a trabalho, em diferentes cidades, tinha cuscuz quase todo dia no café da manhã. Realmente, Cuscuz é um patrimônio gastronômico e cultural do Nordeste que aprecio!
ResponderExcluirQuando estou no Nordeste, como todo dia rsrs
Excluireu adooooro o cuscuz nordestino e o magrebino. Ja o paulista nao sou fã.
ResponderExcluirmuito interessante conhecer a historia, como sempre post nota 10!
Obrigada, cleonicein. Volte sempre.
ExcluirQue interessante ler sobre as origens do cuscuz e como ele chegou a Brasil, não tinha visto nada a respeito sobre essa comida que é parte da identidade nordestina e eu adoro!
ResponderExcluirQue bom que gostou, Fabiola. A próxima nessa área de comida será sobre a Maniçoba rsrsr Fique ligada.
ExcluirGostei muito de saber mais sobre as origens do cuscuz, estive agora na Bahia e Alagoas e comi muito cuscuz. Adoro!
ResponderExcluirDelícia, não é? Sou de Aracaju e na minha casa tinha cuscuz todo dia no café da manhã. Ainda tem. Eu é que não moro mais lá rsrs.
ExcluirSempre amei comer Cuscuz: patrimônio gastronômico e cultural do Nordeste! Agora já sei toda história dessa comida maravilhosa!
ResponderExcluirMaravilhosa mesmo. O melhor café da manhã do mundo é cuscuz com ovo.
ExcluirNossa! Eu mão fazia a menor idéia de que o cuscuz tinha tanta história e era tão antigo assim. Achei que fosse comida dos escravos do Brasil colônia , mas não sabia que tinha se espalhado pelo mundo todo.
ResponderExcluirA gente se acostuma com as coisas e nem procura saber a origem, não é mesmo?
ExcluirSabe que em meus 30 anos de vida eu nunca tinha comido cuscuz? Esse ano de pandemia eu experimentei novas receitas e fiquei apaixonada pelo sabor! Adorei saber que é um patrimônio gastronômico e cultural do Nordeste.
ResponderExcluirCuscuz é realmente um prato incrível. Difícil encontrar quem não goste. Obrigada pelo comentário.
Excluir