

O chão é de areia e o traçado urbano se resume a uma praça, onde fica a igreja e a antiga casa do padre. Além disso, existe apenas uma rua, também sem calçamento, que liga esse centro ao leito do rio; e outra que logo se transforma em um caminho de terra batida. São os dois pontos de acesso ao lugar.
Quem chega pelo rio, ou pela estrada que leva à margem direita, tem que fazer a travessia em canoa, ou em uma minibalsa, guiado por uma corda que não deixa a embarcação ser vencida pela correnteza.
Para usar celular, é preciso ficar rondando uma determinada casa ao lado da igreja, que é o ponto mais alto da povoado. Se der sorte, o sinal entra em cinco ou dez minutos, mas só se sua linha for da única operadora que atua na região.
Tudo isso vale a pena. A travessia, pela paisagem. A dificuldade de sinal, claro, porque de vez em quando é bom se isolar, mas também porque a espera se dá em plena praça e, enquanto esperamos, vamos fazendo descobertas.
Morrinhos: vontade de lembrança

Há quem considere a cena fora de lugar porque, no livro, ela se dá em um rio chamado de-Janeiro - também na bacia do São Francisco - e não no Urucuia, como talvez o artista, ou quem encomendou o trabalho, quisesse insinuar. Outros encaram a escultura como uma alusão simbólica ao livro, com múltiplos significados. O primeiro e mais abrangente seria a ideia de 'travessia', tão presente em cidades ribeirinhas, e da coragem a ela associada. Poderia se considerar, ainda, segundo os defensores da escultura, um cruzamento entre o fato de Rosa, nesse romance, referir-se ao Urucuia como o rio do amor, e o sentido da própria cena, que marca o início da paixão proibida entre Riobaldo e Diadorin.
Difícil saber a quem dar razão, mas, seja como for, encontrar uma referencia literária perdida em uma vila de pescadores é, no mínimo, alentador.
A história não escrita
Mesmo sem livros, sabe-se um puco sobre Morrinhos, seja pela transmissão oral, seja pela pesquisa nos poucos documentos preservados. E a primeira coisa que se conta é que, provavelmente entre 1.790 e 1.840, ali funcionava um próspero porto.

Nesse período, Morrinhos teria servido como pouso e entreposto comercial, tanto na ida como na volta, de tropeiros que faziam o transporte e a comunicação entre a mineração do Centro-Oeste e a atividade pastoril nordestina.
A cidade teria recebido também fiéis e peregrinos de toda a região, graças a uma Lei Provincial que, em 1850, a elegeu como sede da Paroquia de Nossa Senhora da Conceição.
Esse movimento terminou no final do século 19, com a transferência da paróquia para o vizinho município de Buritis. Já a perda de importância do porto provavelmente se deve a diversos fatores como o fim do Ciclo do Ouro, a chegada de fazendeiros à região e o inicio da industrialização do país.
O porto de Barra da Vaca, que viria ocupar seu lugar na bacia do São Francisco, passa a atender novas necessidades, como o transporte de famílias de fazendeiros e de seus funcionários. Tem início, ainda, o trânsito de mercadorias produzidas no Rio de Janeiro e São Paulo, a partir do porto de Januária.

De tropeiros a caminhantes
A condição de porto certamente não será mais recuperada por Morrinhos, tampouco seu florescimento comercial, mas, desde 2014, um projeto batizado como Caminho do Sertão e definido por seus autores como "uma imersão socioecoliterária no universo de Guimarães Rosa" tem levado mais de 70 pessoas por ano ao local.
É muito pouco se comparado aos velhos tempos, mas equivale a quase metade de sua população e, embora a passagem seja rápida, sempre há uma interação dos visitantes com a população local. Além disso, a
Morrinhos - Arinos - Minas Gerais - Brasil
Texto: Sylvia Leite
Jornalista - MTB: 335 DRT-SE / Linkedin / Lattes
Esta matéria contou com a importante colaboração de moradores de Morrinhos e guias do projeto Caminho do Sertão.
Referências:
Esta matéria contou com a importante colaboração de moradores de Morrinhos e guias do projeto Caminho do Sertão.
Referências:
- Consultoria do historiador, pesquisador e professor de História, Xiko Mendes (mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural pela Universidade de Brasília).
- "Guia Cultural e Ecoturístico do Entorno do Parque Nacional do Grande Sertão Veredas", de Xiko Mendes - Funarte/Unifam
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Minas e seus mistérios encantadores, com presença sutil de Guimarães Rosa.
ResponderExcluirPelo seu relato de Morrinhos, me veio à lembrança o Mangue Seco no início da década de 80, antes da novela da Globo.
Amei o texto, Sylvinha!
Abraços,
Val Cantanhede
Obrigada, Val. Realmente Morrinhos lembra muito Mangue Seco e tem uma história semelhante.
ExcluirLeitura da manhã, com pão e cheirinho de café... tudo isso bem Brasil. Adorei ver aqui a citação a Afonso Arinos de Melo Franco nascido em Paracatu em 1868 e tio do homônimo sobrinho também jurista Afonso Arinos de Melo Franco nascido em BH em 1905. As obras escritas pelo tio são precursoras da linguagem literária coloquial de Guimarães Rosa porém poucas vezes lembrada (talvez ofuscada pela sombra do nome que o confunde com o sobrinho). Livros como “Pelo sertão” (1898) e “Os jagunços” (1898) são uma delícia de ler e nos surpreende pela valorização de palavras e expressões (na época arrojados neologismos) que nunca antes tinha sido enaltecido pelo intelectuais literatos. São pesquisas tão importantes quanto as do contemporâneo Silvio Romero (também pouco lembrado). Enfim... agora ouvir “Sussuarana” de Heckel Tavares e Luis Peixoto pra completar a trilha dessa viagem. Obrigado Sylvia por trazer esse oasis de memórias até nós. Gilberto
ResponderExcluirEu que agradeço pela leitura e pelo comentário, Gilberto. Afonso Arinos está citado, também, na matéria sobre Paracatu, duas semanas atrás. Beijo.
Excluirque beleza de descoberta (pelo menos, para mim). aqui sempre encontramos novidades e ótimas leituras, fora a interatividade com os outros leitores que nos enriquecem acrescentando novas informações. Abraço, Sylvia. Abração, Gilberto Habib.
ResponderExcluirValeu, Vi, Beijão
ExcluirComo sempre, trazendo um lugar novo e com tantas histórias. Maravilhoso.
ResponderExcluirObrigada, Eli. Bom aber que você acompanha e gosta. Beijos
ExcluirSó para Colaborar um pouquinho, a história de Morrinhos, como do vale do Urucuia, se perdeu muito, e esta que foi a região mais próspera no inicio do Século XVIII,em minas gerais, foi brutalmente excluída da história, por um decreto imperial de 1736, que proibia a comunicação das minas dos Goiás, com o nordeste via Urucuia, chamado caminho dos Currais.
ResponderExcluirO auge do Urucuia, começou a partir da vinda de Mathias Cardoso de Almeida, que fundou um povoado nas margens do Rio Urucuia, por volta de 1690, e trouce consigo parentes e Amigos, aos quais dividiu as terras do Vale do Urucuia. Entre vários, se destaca o construtor da Igreja de Morrinhos, o Capitão Inácio de Oliveira, Pai de Inácio de Oliveira Campos, que se casou com Joaquina do Pompeu ...
Obrigada pela colaboração. pena que não deixou seu nome.
ExcluirUm lugar muito acolhedor já fui várias vezes lá na época das festas.
ResponderExcluirQue legal! Pouca gente conhece morrinhos. Somos exceções. Da próxima vez não esqueça de deixar seu nome.
ExcluirQue pela história sobre a minha comunidade,confesso que eu que nasci e fui criada aqui não sabia sobre certos acontecimentos que foram reveladas nesse texto. Minha cidade realmente é esquecida é abandonada pelos administradores do município, mas não deixa de ser um lugar encantador e cheio de história maravilhosas como essa. Parabéns Sylvia Leite por essa linda história e se você fizer parte dos peregrinos do caminho do sertão que as vezes passa por aqui gostaria muito de lhe conhecer pessoalmente. Um grande abraço!
ExcluirEu fiz parte, sim, do caminho do sertão. Estive aí com eles no ano passado. Pena que você não deixou seu nome.
ExcluirGostaria de saber também como encontrou esse texto.
Verdade maravilhoso eu morei em morinhos muida recortaçao eu contruir uma escola na reserva logradoro aonde eu tinha um lote air fui mora em morinhos queria saber por gentilesa se esta escola ainda se encontra ainda na reserva tenho vontade de ir lar muita saudades
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