
(conhecidos como PALOP) visando, entre outros objetivos, uma reparação histórica.
Desde a chegada da Unilab, a pequena cidade - que na época tinha pouco mais de 26 mil habitantes* - recebe anualmente estudantes de diversos estados brasileiros e de países africanos como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe e os asiáticos Timor Leste e Macau. Os novos moradores, nos quais se incluem, também, grande parte dos professores da Universidade, são agentes de mudanças que vão desde o aquecimento do comércio e do mercado imobiliário até o aumento da escolaridade na região, a busca de soluções inovadoras para o desenvolvimento sustentável e novos entendimentos dos fatos históricos.
Unilab: integração e sustentabilidade
Por ser uma instituição comprometida com essa integração internacional, a Unilab está voltada para a formação de profissionais e cidadãos capazes de atender às necessidades e interesses mútuos dos países envolvidos, priorizando cursos nas áreas de desenvolvimento agrário, processos de gestão e saúde pública, engenharia e licenciaturas.

A Árvore Solar tem 11 metros de altura e 10 painéis fotovoltaicos instalados em suas folhas. Foi construída com o propósito de divulgar o projeto, aguçando a curiosidade e disseminando o conceito de energia limpa e sustentável, mas também contribui para o fornecimento de energia e serve como minilaboratório aos estudantes do curso de engenharia de energias.
Além do foco no desenvolvimento sustentável e nos interesses mútuos dos países de língua portuguesa, a Unilab tem uma preocupação permanente com as questões sociais, especialmente o preconceito racial e a interpretação da escravatura e da Abolição no Brasil. Esses temas estão no foco de inúmeras pesquisas cujos resultados têm provocado intensos debates, não apenas sobre os acontecimentos históricos do Ceará, mas também sobre a maneira como os negros, africanos ou não, são tratados pela sociedade.
Em uma dessas pesquisas, por exemplo, constatou-se que pelo menos parte dos moradores de Redenção mantêm uma visão preconceituosa em relação aos estudantes africanos e a seus países de origem. Até mesmo funcionários da Unilab, segundo esse levantamento, tratariam de modo diferente estudantes brasileiros e africanos - o que parece surpreendente para uma cidade que demonstra orgulhar-se de ter se antecipado à Lei Áurea.

Redenção: entre a história e suas versões
Dois fatos ainda mais antigos reforçam a posição do Ceará na vanguarda da abolição e o primeiro é anterior até mesmo à Lei do Ventre Livre, de 1871: consta que, em 1850, o deputado cearense Silva Guimarães teria feito a primeira tentativa de libertar os negros recém-nascidos, ao apresentar um projeto com esse teor na Câmara Federal. O segundo fato seria uma espécie de detonador do movimento que resultou nos acontecimentos de Redenção: no comecinho de 1881, um grupo de jangadeiros liderados por Francisco José Nascimento, conhecido como Chico da Matilde e posteriormente como o Dragão do Mar, decidiu parar o transporte de escravos no porto de Fortaleza.

Esses acontecimentos fizeram com que o Ceará fosse considerado a Terra da Luz e com que Redenção criasse uma identidade que confunde a história da abolição com sua própria história, como atestam o nome do município e os monumentos espalhados pela cidade.
Em cada praça, encontra-se uma referência à libertação dos escravos. Até uma loja maçônica tem nome alusivo à Abolição. Mas estudos realizados na Unilab, e também por pesquisadores de outras instituições, indicam que os símbolos utilizados ali refletem uma visão unilateral de quem continua enxergando os negros em condição subalterna e sua liberdade como fruto da benevolência de brancos.
O monumento mais criticado por essa corrente é o painel da Negra Nua, ironicamente localizado em frente a um dos campi da Unilab, em Redenção. Objeto de inúmeras formas de protesto, o monumento acabou se transformando em um catalisador de discussões em torno das questões raciais e abolicionistas. Até sua posição geográfica reafirma essa condição de pivô das divergências pois o painel encontra-se na entrada da cidade, no canteiro central de uma avenida que tem, de um lado, um campus da Unilab - com o olhar para o futuro e um discurso libertário - e, do outro, o Museu Senzala Negro Liberto, que é visto com reserva por pelo menos uma parte dos pesquisadores.

O Museu Senzala do Negro Liberto

Instalado em um antigo engenho, onde hoje funciona uma fábrica de cachaça, o museu é dividido em três partes: o engenho, a casa grande e a senzala. Além de antigas máquinas de moagem de cana e documentos históricos referentes à produção açucareira e à compra, venda e
libertação dos escravos, o museu reúne fotos, utensílios domésticos e instrumentos de tortura.
O porão onde teria funcionado a senzala impressiona pelo realismo, embora pesquisadores indiquem a inexistência de provas de que ali tenha funcionado realmente uma senzala. Compartimentos insalubres, escuros e povoados por morcegos de verdade (embora inofensivos) abrigam reconstituições de algemas, troncos e outros instrumentos utilizadas pelos feitores para prender e castigar os mais rebeldes.
Logo na entrada, um compartimento elevado cujo pé direito diminui à medida em que se avança até o fundo, exibia aos recém-chegados a condição a que seriam expostos caso não obedecessem as regras. Quanto maior a desobediência, mais fundo o escravo era colocado no local de castigo e menor era o espaço que tinha para se movimentar.

A limitação de movimentos também era o tema de outro castigo, talvez o pior de todos. Os escravos que cometiam ações consideradas muito graves eram trancados em uma espécie de armário e ali ficavam por horas, ou até dias, sem água nem alimentos e sem qualquer possibilidade de movimentar-se. A maioria não resistia.
A visita só não traz mais realismo porque, em alguns cômodos, foram pintadas imagens de negros, o que reforça o caráter de reconstituição dos espaços.

* Além dos campi localcalizados em Rendenção e no município vizinho de Acarape - Campus da Liberdade (Redenção), Campus das Auroras (Entre Redenção e Acarape) e Campus dos Palmares (Acarape) -, a Unilab tem uma unidade em São Francisco do Conde - Bahia, o município brasileiro com maior percentual de negros - mais de 90% declarados em censo, segundo dados da própria universidade.
Redenção - Ceará - Brasil
Texto: Sylvia Leite
Jornalista - MTB: 335 DRT-SE / Linkedin / Lattes
Colaboração: Esta matéria foi feita com a importante ajuda de Dayane Moreira, aluna da Unilab.
Colaboração: Esta matéria foi feita com a importante ajuda de Dayane Moreira, aluna da Unilab.
Referências:
Site da Unilab
Textos acadêmicos:
- Relações raciais, identidades étnicas, gênero e autobiografias: o cotidiano dos estudantes africanos e brasileiros na Unilab/CE (PDF)
- Memórias Afro-Brasileiras: Monumentos, Museus e Educação patrimonial em Redenção - Ceará (PDF)
- O Espetáculo da Abolição - A Negra Nua (PDF)
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Tilonia
Que super matéria. Parabéns, Sylvia. Aqui a gente viaja aos lugares e no tempo.
ResponderExcluirObrigada, Vi. Bom ter os amigos como leitores. Beijo.
ExcluirMaravilhoso
ExcluirObrigada, Betânia!
ExcluirMuito bom, ja fui varias vezes ao Ceará entretanto nunca fui a Redenção, após sua materia com certeza darei uma ida ate este município
ResponderExcluirObrigada pelo comentário, Consul. Fico feliz quando minhas matérias animam as pessoas a colocar o pé na estrada.
ExcluirMaravilha, Sylvinha! Texto maravilhoso para descrever o que o Ceará tem de bom!
ResponderExcluirValeu, Soninha. A sua matéria sobre o Ceará também está. para quem não sabe, Soninha é autora do blog 'Existe um lugar no Mundo' e hoje, coincidentemente, ela escreveu sobre a 'Rota Verde do café no Ceará'.
Excluirexisteumlugarnomundo.com.br
Esse é um verdadeiro "lugar de memória", memória essa que jamais pode se perder. Um lugar sustentável, de integração, de aprendizado de coisas que podemos fazer e de outras que jamais devemos repetir.
ResponderExcluirPois é, Maga. A Unilab parece estar cuidando disso muito bem.
ExcluirExcelente matéria, Sylvinha!
ResponderExcluirQue essa integração entre povos prospere e que a Unilab se firme como instituição promotora de uma necessária consciência socioambiental, imprescindível nestes tempos sombrios!
Abraços
Valeu, Val. Ainda bem que você avisou, senão não teria como saber quem escreveu. É muito legal mesmo. Vale a pena conhecer.
ExcluirMuito legal! Adorei.
ResponderExcluirObrigada prlo comentário. Da próxima vez, se identifique. Abs
ExcluirLer seus artigos é sempre conhecer mais sobre o nosso Brasil. Não sabia dessa questão da abolição ter acontecido antes em Redenção. O Museu do Senzala do Negro Liberto despertou muito meu interesse. A quanto tempo de Fortaleza fica a cidade?
ResponderExcluirQue bom que você acha isso, Léo. Creio que você vai gostar de Redenção e do museu.
ExcluirMuito interessante a cidade de Redenção no Ceará, eu não a conhecia até ler seu texto! Realmente, é um lugar de integração afro-brasileira e isso é muito bacana. Vou adorar conhecer o museu e mergulhar na história local e no contexto da escravidão e abolição. Quero muito conhecer, espero que seja breve.
ResponderExcluirQuando for lá, não deixe de visitar a universidade. É o elo fundamental dessa integração.
ExcluirSylvia, que bacana a sua postagem! Eu realmente não tinha conhecimento sobre o assunto e acho super bacana essa integração afro.
ResponderExcluirGostei do museu do Senzala do Negro Liberto, quero visitá-lo
Redenção é um lugar que vale a pena conhecer. Você vai gostar. É não deixe de visitar a universidade.
ExcluirSempre aprendendo com seu blog! Não conhecia Redenção. Adorei sobre esse esse de integração afro-brasileira. Ótimo post
ResponderExcluirNunca tinha ouvido falar em Redenção! Essa materia ficou super completa, com certeza um lugar cheio de histórias.
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