
Por vezes surge uma dúvida: o lugar de memória é o espaço físico onde ocorrem acontecimentos dignos de serem conhecidos e lembrados ou os elementos que o qualificam como tal?
Isso ocorre com a Estação Biológica de Canudos* e a Reserva Ecológica Raso de Catarina**, moradas da arara-azul-de-lear - uma espécie que caminhava para a extinção até ser localizada por cientistas e sertanejos que deram início a uma luta por sua preservação. São elas ou a própria arara e toda a sua história que constituem o lugar de memória? Talvez seja tudo isso junto.
Nas duas áreas de proteção, localizadas no Raso da Catarina, onde se deu toda a luta de Canudos e de Antônio Conselheiro, pesquisadores e funcionários dedicam-se a pesquisa, educação ambiental e, principalmente, à fiscalização das áreas de moradia da arara. A primeira está aberta à visitação e mantém um alojamento para observadores de aves e curiosos. Na segunda, só é possível entrar com objetivos educacionais ou científicos e depende de autorização. Juntas, elas estão salvando a arara-azul-de-lear da extinção e preservando o equilíbrio da caatinga - o único bioma exlusivamente brasileiro.
Mistério secular

A história da arara-azul-de-Lear pode soar, inicialmente, como assunto para ambientalistas e observadores de aves. Um passo adiante, vemos o contraste de seu corpo azul com a aridez do sertão e, no mínimo, acrescentamos aí um interesse estético. Seduzidos com a beleza e com o exotismo, acabamos fisgados pela curiosidade e o que encontramos é uma saga de resistência que vai além da sobrevivência de uma espécie misteriosa. É a luta do sertanejo, apoiado por ambientalistas, para manter vivos a sua terra, a sua cultura, o seu habitat. Além disso, envolve interessantes personagens .
Por aproximadamente 150 anos,
pesquisadores de diversos países esquadrinharam o território brasileiro em busca dessa espécie rara registrada em 1832 por um jovem escritor inglês do estilo 'nonsense' que, para conseguir pagar as contas, trabalhava como ilustrador, desenhando aves silvestres levadas das Américas para a Europa.
Edward Lear, segundo se conta, não tinha qualquer conhecimento sobre as aves que retratava e, talvez por isso, nada anotou além de um nome científico provavelmente informado pelo autor da encomenda: Macrocercus hyacintinus.
Um desenho que intriga e mobiliza gerações

Na época, os estudiosos europeus já tinham acesso exemplares vivos, mas apenas como resultado do tráfico - que fornecia exemplares para zoológicos e coleções particulares da Europa - não conseguindo, portanto, descobrir de onde ela era retirada. A busca se transportou para o Brasil e várias expedições foram feitas sem qualquer resultado. O movimento ganhou a adesão de Olivério Mário Oliveira Pinto, autor do livro Catálogo de Aves do Brasil , que encontrou apenas um exemplar em cativeiro. A uma certa altura, duvidou-se oficialmente da existência da arara azul, mas a obstinação do pesquisador alemão Hellmut Sick o levou até o esconderijo da ave.

Sick vivia no Brasil desde 1942, e já fazia quase vinte anos que andava atrás da arara azul mas, nessa escalada final, ele entrou apenas com fotos, desejo e obstinação.
Quem sabia os passos a serem dados até o santuário das aves misteriosas eram os sertanejos que viviam por ali: primeiro o velho caçador Maninho/ que procurou o jovem tocador de gado Aderbal/ que lembrou de um amigo do pai, o velho Eliseu/ e assim, finalmente, a ave misteriosa foi encontrada. Restava saber o que fazer para protegê-la e lutar por sua concretização.
As soluções estão vindo aos poucos: os paredões de arenito da Toca Velha, usados pela arara azul como dormitório e local de reprodução, foram progressivamente comprados pela Fundação Biodiversitas, criadora e administradora da Estação Biológica de Canudos. Outra extensa área de moradia da espécie pertence à Reserva Ecológica Raso de Catarina. Alguns dos sertanejos envolvidos em sua busca passaram a trabalhar como guardas ambientais e foram seguidos por seus filhos e outros conterrâneos que surgiram pelo caminho. Tudo isso protege as aves de caçadores e traficantes. Se quando foram encontradas elas não chegavam a cem, hoje são mais de mil.
O que ameaça a espécie, agora, é a fome. E a luta atual é pela preservação da palmeira que dá um fruto conhecido como Licuri ou Ouricuri, seu principal alimento. Essa árvore vem sendo dizimada pelo desmatamento, pelas queimadas, pela movimentação do gado e pelo bode, com quem as araras precisam disputar os coquinhos.
* Estação Biológica de Canudos - Fundação Biodiversitas
** Reserva Ecológica Raso de Catarina - ICM Bio

Encontrada e protegida pelos conterrâneos
Sick vivia no Brasil desde 1942, e já fazia quase vinte anos que andava atrás da arara azul mas, nessa escalada final, ele entrou apenas com fotos, desejo e obstinação.
Quem sabia os passos a serem dados até o santuário das aves misteriosas eram os sertanejos que viviam por ali: primeiro o velho caçador Maninho/ que procurou o jovem tocador de gado Aderbal/ que lembrou de um amigo do pai, o velho Eliseu/ e assim, finalmente, a ave misteriosa foi encontrada. Restava saber o que fazer para protegê-la e lutar por sua concretização.
Ainda há muito a fazer
As soluções estão vindo aos poucos: os paredões de arenito da Toca Velha, usados pela arara azul como dormitório e local de reprodução, foram progressivamente comprados pela Fundação Biodiversitas, criadora e administradora da Estação Biológica de Canudos. Outra extensa área de moradia da espécie pertence à Reserva Ecológica Raso de Catarina. Alguns dos sertanejos envolvidos em sua busca passaram a trabalhar como guardas ambientais e foram seguidos por seus filhos e outros conterrâneos que surgiram pelo caminho. Tudo isso protege as aves de caçadores e traficantes. Se quando foram encontradas elas não chegavam a cem, hoje são mais de mil.
O que ameaça a espécie, agora, é a fome. E a luta atual é pela preservação da palmeira que dá um fruto conhecido como Licuri ou Ouricuri, seu principal alimento. Essa árvore vem sendo dizimada pelo desmatamento, pelas queimadas, pela movimentação do gado e pelo bode, com quem as araras precisam disputar os coquinhos.
* Estação Biológica de Canudos - Fundação Biodiversitas
** Reserva Ecológica Raso de Catarina - ICM Bio
Arara-azul-de-lear - Estação Biológica de Canudos - Canudos - Raso da Catarina - Bahia - Brasil
Referência bibliográfica:
Jardins da Arara de Lear, de João Marcos Rosa e Gustavo Nolasco
Outras referências:
Projeto de preservação e recuperação da área de aliementação da arara azul:
Jardins da Arara de Lear
AVISO: Você acaba de ler a matéria Canudos 2. Leia também Canudos 1, que conta a história do Arraial de Canudos e de Antônio Conselheiro.
Óbidos
Paranapiacaba
Os Claustros
Kolam
Jardins da Arara de Lear, de João Marcos Rosa e Gustavo Nolasco
Outras referências:
Projeto de preservação e recuperação da área de aliementação da arara azul:
Jardins da Arara de Lear
AVISO: Você acaba de ler a matéria Canudos 2. Leia também Canudos 1, que conta a história do Arraial de Canudos e de Antônio Conselheiro.
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TiloniaÓbidos
Paranapiacaba
Os Claustros
Kolam
Esplêndido!
ResponderExcluirValeu, Thati! Beijo
ExcluirElas quase
ResponderExcluirchegaram a extinção.
É verdade. E ainda não estão livres disso.
ExcluirMeu Deus, coisa mais linda!!!
ResponderExcluirLinda mesmo. Um azul indescritível e uma história de arrepiar!
ExcluirLinda história, Linda Arara, Linda caatinga e muito interessantes os personagens humanos de varios paises e culturas envolvidos na odisseia. Com certeza o Conselheiro iria proteger as Araras, gente de Deus, contra o Maligno, os traficantes de animais. Ele também iria converter muitos cacadores para a causa do Bem e transformar a vida desses homens, de matadores para protetores dessa Ave filha do Sertao. ������ Augusta Leite Campos
ResponderExcluirValeu, Gusta. E obrigada por ter me apresentado a Gustavo que me cedeu suas belas fotos para enriquecer a matéria. Beijo
ExcluirQue texto lindo amigo, não consigo não me emocionar o carinho pelo sertanejo e pela nossa espécie rara
ResponderExcluirObrigada pelo comentário. Gostaria muito de saber quem escreveu. Um abraço, seja quem você for rsrs.
ExcluirLindo, Sylvinha! Adore!
ResponderExcluirValeu, Soninha! beijo
ExcluirTexto maravilhoso, Parabéns!
ExcluirObrigada, Gilca! beijo
ExcluirShow. Super interessante. Como se diz na Marinha “ Bravo ZULU Silvinha “
ResponderExcluirObrigada, querido!
ExcluirLindo saber sobre a Arara Azul. Detalhes perfeitos e bem colocados. Como sempre, a cada quinta feira, conheço mais lugares e fico encantada. Obrigada Sylvia.
ResponderExcluirEu que agradeço, maria Helena, por sua constância aqui no blog. Beijos
ExcluirMuito obrigada por dividir suas viagens.
ResponderExcluirEu que agradeço. Pela leitura e pelo comentário. Da próxima vez deixe seu nome.
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