Gigante adormecido é o nome pelo qual se conhece uma formação rochosa da Serra da Mantiqueira. A pedra lembra a imagem de um homem deitado e dá identidade à paisagem rural de Joanópolis, no interior de São Paulo. Por causa disso, o município é as vezes chamado de Terra do Gigante. Mas sua alcunha mais popular é Terra do Lobisomem pois é esse ser mítico que habita o imaginário de seus moradores.

O primeiro fato a amenizar a resistência dos joanopolenses em relação à publicidade de seu mito teria sido o sucesso alcançado pelo clip Thriller, de Micheal Jackson, que gira em torno do personagem, e foi lançado em 1983 – ano em que a pesquisa ganhou visibilidade nacional. Mas a aceitação só teria se consolidado no final da década seguinte, quando uma rede de fast food gravou um comercial na cidade explorando o tema de um ponto de vista bastante positivo e usando moradores como figurantes.
Seis anos depois do comercial, Joanópolis ganhou a Associação de Criadores de Lobisomens - uma instituição cultural que tem o objetivo de perpetuar o mito, colhendo relatos e apresentando histórias a moradores e turistas. O nome da associação pode causar estraneza mas, segundo seu presidente, o historiador Valter Cassalho, tem uma razão muito concreta: "cada vez que a gente conta um 'causo' de lobisomem, ouve cinco de volta, então nos transformamos em criadores".
A cartada final teria vindo somente em 2004, quando a pesquisa de Maria do Rosário foi publicada em livro*. A partir daí Joanópolis se assumiu como 'Terra do Lobisomem" ou "Capital do Lobisomem" e o personagem mítico transformou-se em um ser onipresente. Sua imagem está pintada em fachadas de casas comerciais e caracterizada em bonecos de todos os tipos e tamanhos. Seu nome batiza produtos, como um licor azul denominado Sangue de Lobisomem, e está impresso em camisetas e até em cuecas com dizeres provocativos.
Da Grécia a Joanópolis
Para quem não sabe, o Lobisomem é uma figura mitológica, originária da Grécia, que em decorrência de um castigo divino transforma-se em lobo nas noites de lua cheia e, durante o encantamento, suga o sangue de suas vítimas. Para os gregos, é Licantropo, mas foi conhecido por outros nomes nas mais diversas civilizações. Na mitologia Guarani, por exemplo, é chamado de Luison.
Acredita-se que a lenda do Lobisomem – assim como a do Vampiro – seja inspirada simbolicamente emuma doença genética, denominada porfiria, provocada pela deficiência de uma enzima do sangue – o que justificaria a busca pelo sangue humano. Algumas formas dessa doença deixam o paciente sensível à luz solar e podem provocar o nascimento de pelos, o que poderia ser relacionado, respectivamente, com o fato do Lobisomem só surgir à noite e ter a aparência de lobo.
Em Joanópolis, presume-se que as lendas em torno da aparição do Lobisomem sejam decorrentes do fato de o município estar localizado próximo a regiões onde há ocorrência de lobos guarás. Como o lobo não faz parte da fauna local, sua visão nos terrenos vizinhos teria estimulado o imaginário dos nativos, que, conhecendo o mito europeu difundido no folclore nacional, e não sabendo identificar aquele animal que avistam de longe, o teriam classificado como Lobisomem.
Mas, ao contrário do lobisomem do folclore europeu e mesmo de outras partes do Brasil, que bebe o sangue de suas vítimas e, em alguns casos, come também a carne, o de Joanópolis é caracterizado como uma assombração boazinha que não vai além de assustar crianças e correr atrás de coelhos e galinhas.
Talvez isso se deva ao fato de alguns moradores acreditarem que os lobisomens fazem parte da comunidade. Seriam vizinhos ou pessoas que frequentam os ambientes sociais e sobre as quais costuma-se dizer coisas do tipo: “Fulano de tal é Lobisomem. É boa pessoa, só é Lobisomem”.
Conhecer a "Terra do Lobisomem" e ouvir seus 'causos' já é motivo suficiente para justificar uma visita a Joanópolis, mas isso é apenas o começo porque a cidade tem muitas outras narrativas, a maior parte delas verídica. A origem da cidade a partir de um ponto de descanso de Bandeirantes, a fundação do primeiro povoado no dia de São João Batista e o mastro erguido em homenagem ao santo no terreno onde, a partir de 1910, seria construída a Igreja Matriz são algumas das histórias contadas por guias locais
Entre as principais curiosidades encontra-se o pão PRP - uma guloseima com sabor de erva-doce, batizada em homenagem ao Partido Republicano Paulista. É que, ainda no Império, e durante a República Velha, quando os partidos eram estaduais, havia, em Joanópolis, uma disputa acirrada entre o PRP e o PC (Partido Constitucionalista). Conta-se que o criador desse pão foi o padeiro Paulo Meira, partidário do PRP, que o teria batizado com ese nome para que não fosse comido pelos adversários.
A cartada final teria vindo somente em 2004, quando a pesquisa de Maria do Rosário foi publicada em livro*. A partir daí Joanópolis se assumiu como 'Terra do Lobisomem" ou "Capital do Lobisomem" e o personagem mítico transformou-se em um ser onipresente. Sua imagem está pintada em fachadas de casas comerciais e caracterizada em bonecos de todos os tipos e tamanhos. Seu nome batiza produtos, como um licor azul denominado Sangue de Lobisomem, e está impresso em camisetas e até em cuecas com dizeres provocativos.
Da Grécia a Joanópolis
Para quem não sabe, o Lobisomem é uma figura mitológica, originária da Grécia, que em decorrência de um castigo divino transforma-se em lobo nas noites de lua cheia e, durante o encantamento, suga o sangue de suas vítimas. Para os gregos, é Licantropo, mas foi conhecido por outros nomes nas mais diversas civilizações. Na mitologia Guarani, por exemplo, é chamado de Luison.
Acredita-se que a lenda do Lobisomem – assim como a do Vampiro – seja inspirada simbolicamente emuma doença genética, denominada porfiria, provocada pela deficiência de uma enzima do sangue – o que justificaria a busca pelo sangue humano. Algumas formas dessa doença deixam o paciente sensível à luz solar e podem provocar o nascimento de pelos, o que poderia ser relacionado, respectivamente, com o fato do Lobisomem só surgir à noite e ter a aparência de lobo.
Em Joanópolis, presume-se que as lendas em torno da aparição do Lobisomem sejam decorrentes do fato de o município estar localizado próximo a regiões onde há ocorrência de lobos guarás. Como o lobo não faz parte da fauna local, sua visão nos terrenos vizinhos teria estimulado o imaginário dos nativos, que, conhecendo o mito europeu difundido no folclore nacional, e não sabendo identificar aquele animal que avistam de longe, o teriam classificado como Lobisomem.
O lobisomem do bem
Mas, ao contrário do lobisomem do folclore europeu e mesmo de outras partes do Brasil, que bebe o sangue de suas vítimas e, em alguns casos, come também a carne, o de Joanópolis é caracterizado como uma assombração boazinha que não vai além de assustar crianças e correr atrás de coelhos e galinhas.
Talvez isso se deva ao fato de alguns moradores acreditarem que os lobisomens fazem parte da comunidade. Seriam vizinhos ou pessoas que frequentam os ambientes sociais e sobre as quais costuma-se dizer coisas do tipo: “Fulano de tal é Lobisomem. É boa pessoa, só é Lobisomem”.
Joanópolis histórica
Conhecer a "Terra do Lobisomem" e ouvir seus 'causos' já é motivo suficiente para justificar uma visita a Joanópolis, mas isso é apenas o começo porque a cidade tem muitas outras narrativas, a maior parte delas verídica. A origem da cidade a partir de um ponto de descanso de Bandeirantes, a fundação do primeiro povoado no dia de São João Batista e o mastro erguido em homenagem ao santo no terreno onde, a partir de 1910, seria construída a Igreja Matriz são algumas das histórias contadas por guias locais
Entre as principais curiosidades encontra-se o pão PRP - uma guloseima com sabor de erva-doce, batizada em homenagem ao Partido Republicano Paulista. É que, ainda no Império, e durante a República Velha, quando os partidos eram estaduais, havia, em Joanópolis, uma disputa acirrada entre o PRP e o PC (Partido Constitucionalista). Conta-se que o criador desse pão foi o padeiro Paulo Meira, partidário do PRP, que o teria batizado com ese nome para que não fosse comido pelos adversários.
Enquanto durou o PRP, o pão era servido nas reuniões partidárias, mas, já naquela época, podia ser encontrado na Padaria Central, de Benevenuto Zampoli, onde Paulo Meira trabalhava. Hoje, o PRP virou uma categoria em Joanópolis, algo como pão francês ou pão de forma, e pode ser encontrado, também, em outras padaraias.
Uma das memórias mais fortes que se guarda no município é da Revolução de 30. Joanópolis não foi cenário de combates, mas, como está localizada na divisa com Minas Gerais, fez parte da linha de defesa e abrigou trincheiras e acampamentos. É que a Revolução de 30 - para quem perdeu essa aula na escola - teve como um dos principais estopins uma desavença entre São Paulo e Minas Gerais causada pela quebra do que se chamava na época de Política do Café com Leite, que consistia na alternância de presidentes paulistas e mineiros. A crise foi instalada quando o presidente Café Filho (paulista)
Uma das memórias mais fortes que se guarda no município é da Revolução de 30. Joanópolis não foi cenário de combates, mas, como está localizada na divisa com Minas Gerais, fez parte da linha de defesa e abrigou trincheiras e acampamentos. É que a Revolução de 30 - para quem perdeu essa aula na escola - teve como um dos principais estopins uma desavença entre São Paulo e Minas Gerais causada pela quebra do que se chamava na época de Política do Café com Leite, que consistia na alternância de presidentes paulistas e mineiros. A crise foi instalada quando o presidente Café Filho (paulista)
indicou como seu sucessor outro paulista, tomando a vez dos mineiros. Mas isso é outra história.
Nos três meses que durou o conflito, jovens soldados de outros municípios montaram guarda nas trincheiras e a cidade se mobilizou em torno deles, especialmente as mulheres, que passaram a fazer sopa para esquentá-los durante as madrugadas frias. O curioso é que essas trincheiras ainda existem, podem ser visitadas e,pelo menos uma está inteiramente preservada.
Nessa época, Joanópolis era uma cidade próspera e sua elite era formada pelos cafeicultores. Com a chamada Crise do Café, a economia local entrou em decadência e, apesar de outras atividades terem entrado em cena, como gado leiteiro, milho e feijão, para citar apenas algumas, não houve mais um retorno às condições anteriores.
A semelhança da serra com um homem deitado dá o mote para mais uma simbologia: a do município florescente que entrou em decadência com a crise do café, mas ainda pode despertar movido por outra atividade que, segundo algumas apostas, pode ser o turismo.
A divulgação da cidade como Terra do Lobisomem proporcionou a Joanópolis uma visibilidade nacional que acabou sendo revertida em impulso para o turismo. Seu passado político e econômico também contribui para o portfólio local. Mas o que tem consolidado o município como Estância Turística tem sido seus atrativos naturais.
Nos três meses que durou o conflito, jovens soldados de outros municípios montaram guarda nas trincheiras e a cidade se mobilizou em torno deles, especialmente as mulheres, que passaram a fazer sopa para esquentá-los durante as madrugadas frias. O curioso é que essas trincheiras ainda existem, podem ser visitadas e,pelo menos uma está inteiramente preservada.
Nessa época, Joanópolis era uma cidade próspera e sua elite era formada pelos cafeicultores. Com a chamada Crise do Café, a economia local entrou em decadência e, apesar de outras atividades terem entrado em cena, como gado leiteiro, milho e feijão, para citar apenas algumas, não houve mais um retorno às condições anteriores.
O gigante adormecido
A semelhança da serra com um homem deitado dá o mote para mais uma simbologia: a do município florescente que entrou em decadência com a crise do café, mas ainda pode despertar movido por outra atividade que, segundo algumas apostas, pode ser o turismo.
A divulgação da cidade como Terra do Lobisomem proporcionou a Joanópolis uma visibilidade nacional que acabou sendo revertida em impulso para o turismo. Seu passado político e econômico também contribui para o portfólio local. Mas o que tem consolidado o município como Estância Turística tem sido seus atrativos naturais.
O próprio 'gigante' é um importante ponto de visitação, pois de seu topo é possível admirar uma paisagem de 360° que inclui cidades de São Paulo, como Atibaia, Jacareí e Bragança Paulista, e de Minas, como Extrema e Monte Verde. O município conta, ainda, com uma represa e várias cachoeiras, algumas já famosas entre os amantes de do ecoturismo, como é o caso da Cachoeira dos Pretos – uma queda d'água de 154 metros de altura, considerada a seginda maior de São Paulo e uma das maiores do Brasil. Para explorar todo esse potencial, não faltam trilhas e passeios de jeep. Além disso, a região tem sido muito explorada pelos praticantes de esportes náuticos e aéreos.
Joanópolis - Serra da Mantiqueira - São Paulo - Brasil - América do Sul
Texto: Sylvia Leite
Jornalista - MTB: 335 DRT-SE / Linkedin / Lattes
Consultoria:
Fernando Franco - Trilhas em Jeep
Valter Cassalho - Historiador e fundador da Associação dos Criadores de Lobisomem
Fotos:
Fotos:
(1) Prefeitura de Joanópolis
(2, 3, 6, 7) Sylvia Leite
(4) Por Hndrik Goltzius, Domínio Público - Wikimedia
(5) Por Mont Sudbury, Domínio público - Wikimedia
(8) Facebook Padaria Central
(9, 10, 11) Fernando Franco
Facebook Padaria Central
Clip Thriller, de Michael Jackson
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Goa
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Murano
Igreja da Pampulha
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Khiva
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Jantar Mantar
Grota de Angico
Clip Thriller, de Michael Jackson
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Grota de Angico
Sylvinha, seus textos são ótimos e nos fazem muito bem! São alentadores! Parabéns e obrigada!
ResponderExcluirEu que agradeço, pela leitura e pelo comentário generoso. Bom saber que você gosta.
ExcluirQue ma ra vi l ha!
ResponderExcluirValeu! Beijo
ExcluirQue ma ra vi l ha!
ResponderExcluirQue bom que gostou! Volta sempre.
ExcluirEssas lendas podem alavancar o turismo de qualquer cidade. Fiquei super interessada em conhecer, Sylvinha!
ResponderExcluirVerdade, Soninha. E, como se isso não bastasse, o lugar é muito bonito.
ExcluirSylvia, bem legal conhecer um pouco mais sobre joanopolis! Não sabia que era a terra do gigante, lindo o lugar
ResponderExcluirPois é, acho que a cidade ficou mais conhecida pelo lobisomem do que pelo gigante, mas os dois são interessantes. Que bom que gostou. Volte sempre!!!
ExcluirNão conhecia Joanópolis, achei o lugar muito legal e adorei a lenda do lobisomem bonzinho. Fiquei curiosa em conhecer a terra do gigante.
ResponderExcluirNunca tinha ouvido falar de Joanópolis e adorei as curiosidades que você apresentou em seu artigo. Em especial, claro sobre o lobisomem. Sem dúvida, um grande atrativo para conhecer essa cidade.
ResponderExcluirEu estive uma vez em Joanópolis a muito tempo atrás mas tenho vagas lembranças, adorei rever algumas coisas, como a história do lobisomem que lembrava muito vagamente. Quero voltar lá um dia, adorei o texto e deve ter muita coisa ainda que eu possa conhecer da terra do gigante! Abraços e gostei muito de ler o texto!
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