Confeitaria Colombo: um patrimônio dos cariocas

Tempo de Leitura: 6 minutos

Atualizado em 03/07/2022 por Sylvia Leite

 Confeitaria Colombo - Fotos Sylvia Leite -BLOG LUGARES DE MEMORIAQuem nunca ouviu a frase: “o freguês tem sempre razão”? O que poucos sabem é que seu autor foi o português Manuel José Lebrão, um dos fundadores da Confeitaria Colombo, no centro do Rio de Janeiro. Com essa visão empresarial, e influenciado pelos valores culturais e estéticos da Belle Époque, Lebrão, como era conhecido, cultivou a clientela e fez do seu pequeno café, inaugurado em 1894, um marco da gastronomia e da arquitetura cariocas.

Hoje, a Colombo é um dos principais pontos turísticos da cidade. Está tombada como patrimônio material pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultura (NEPAC) e como patrimônio imaterial, pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH). Sua importância é tamanha que uma das estações do VTL – Veículo Leve Sobre Trilhos -, que liga a região  portuária do Centro da cidade, recebeu o nome de Estação Colombo.

Vitral no teto da Colombo - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAPara alcançar tudo isso, Lebrão não mediu esforços. Os atrativos  começaram com a decoração Art Nouveau, composta por espelhos de cristal da Antuérpia, cadeiras de jacarandá e palhinha assinados por Antonio Borsoimesas com pés de ferro e tampo de opalina azul, depois substituídas por mármore.  Isso sem falar nos famosos vitrais, incluindo a clarabóia, e o elevador – um dos primeiros do Rio de Janeiro – tudo trazido da França.

Outro chamariz estava nas guloseimas. Caso da marmelada, inicalmente importada e depois verticalmente produzida pela Confeitaria Colombo (da plantação do marmelo,em Teresópolis, ao preparo do doce na própria confeitaria); ou do tradicional biscoito artesanal Leque, vendido nas famosas latas azuis; ou, ainda, do Pastel de Nata e da Coxinha Creme.

Reduto de artistas e intelectuais

Fotos Sylvia Leite - Matéria Confeitaria Colombo - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAMas talvez o maior diferencial da Confeitaria Colombo em relação aos outros cafés, também sofisticados, da época, tenha sido a presença constante de intelectuais, escritores e outros artistas. Sua frequência era estimulada por Lebrão, que, a fim de mantê-la, aceitava alguns excessos de comprtamento e até calotes criativos, como os que substituiam o pagamento da conta por um poema ou simplesmente por um versinho. A tolerância de Lebrão com os artistas é confirmada por autores de livros sobre a confeitaria.

Por causa desse bom relacionamento de seu dono com os intelectuais, a confeitaria acabou sendo elevada à condição de “sucursal da ABL”, a Academia Brasileira de Letras. É o que dizem os versos do soneto “Hino à Dentada”, escrito em uma das mesas pelo jornalista Emílio Menezes, com a intenção de lhe arrancar um empréstimo:Fotos Sylvia Leite - Matéria Confeitaria Colombo - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

“Lebrão, tu sabes que a confeitaria

Colombo é verdadeira sucursal
Da nossa muito douta Academia
Mas sem cheiro de empréstimo oficial
Cerca-te sempre a simpatia
De todo literato honesto e leal
E tu vais te tornando dia a dia
O mecenas de
todo esse pessoal.

Nisto mostras que és homem de talentoFotos Sylvia Leite - Matéria Confeitaria Colombo - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Que não cuidas somente de pasteis
Nem de lucros tirar cento por cento.

Atende, pois, a um dos amigos fiéis
Que está passando por um mau momento
E anda doido a cavar trinta mil-réis…”
A Confeitaria Colombo foi ponto de encontro, também, de personagens ainda mais famosos como Machado de Assis, Chiquinha Gonzaga, Assis Chateaubriant e até do presidente Getúlio Vargas, mas a personalidade mais lembrada por quem viveu aqueles tempos áureos talvez seja Olavo Bilac. Ele  tornou-se adepto da confeitaria depois de um desentendimento no Café Pascoal, que frequentava anteriormente. Em sua companhia, transferiram-se, também, escritores e jornalistas como Lima Barreto, José do Patrocínio e Luís Murat.
Fotos Sylvia Leite - Matéria Confeitaria Colombo - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAContam os memorialistas da casa que Bilac chegava à Confeitaria Colombo diariamente às cinco da tarde e era tão pontual que muitos funcionários aproveitavam para acertar os próprios relógios quando o escritor apontava na porta da loja. Mas se havia hora exata para a chegada, o mesmo não acontecia com a saída porque a conversa, as trocas literárias e os debates políticos, muitas vezes temperados com humor e sarcasmo, estendiam-se noite adentro.
Embora os encontros na Confeitaria Colombo fossem fartamente animados  pelas conversas, a confeitaria também oferecia música e seu salão tem um lugar de honra na carreira de ninguém menos que o festejado Heitor Villa-Lobos. Conta-se que, ao ficar viúva, sua mãe, Dona Noêmia, passou a lavar e passar toalhas de restaurantes e era ele quem fazia as entregas. Por conta disso é que teria conhecido os músicos da Colombo e entrado para sua orquestra, onde tocou violoncelo.
Como reduto de escritores, artistas e intelectuais, a Confeitaria Colombo foi por vezes comparada ao café parisiense Les Deux Magots, criado cerca de dez anos antes e famoso por ter sido frequentado, em diferentes épocas, por intelectuais e artistas internacionalmente famosos como Arthur RimbaudAndré GideAlbert Camus, James JoyceStephane MallarméSimone de BeauvoirJean-Paul SartreErnest Hemingway, e Bertolt Brecht para citar apenas alguns.

Uma confeitaria de todas as tribos?

Além da tolerância com artistas e intelectuais, a estratégia de marketing do comerciante ia ainda mais longe: eleFotos Sylvia Leite - Matéria Confeitaria Colombo - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA proibia os garçons de receberem gorgetas, segundo alguns porque não considerava uma boa atitude para com os clientes, segundo outros, para evitar a concorrência entre os garçons. Em troca, pagava comissões por venda – o que fazia com que todos se esforçassem para atender melhor e, com isso, vender mais. Os funcionários eram beneficiados, ainda, com uma participação nos lucros da empresa, que no início incluía também um armazém.

A Confeitaria Colombo nasceu simples, em uma pequena sala térrea. Somente em 1922 é que foi ampliada, Na reforma, a confeitaria ganhou um segundo andar, a imponente decoração Art Noveau, e tornou-se um dos lugares mais cobiçados da cidade. Ciente disso, Lebrão tentou adaptar-se a todos os públicos. Aos que não tinham condições de sentar-se à mesa para um completo chá das cinco, ele oferecia os balcões, onde era possível comprar doces avulsos, na quantidade que estivesse ao alcance do cliente.

Os públicos dividiam-se também por horários. Até o fim da tarde, a Colombo recebia mulheres da sociedade. À noite, o ambiente mudava e  permaneciam apenas os homens com uma ou outra mulher mais rebelde, como era o caso de Chiquinha Gonzaga.

A Confeitaria Colombo ao longo do tempo

A Colombo passou por várias fases desde que foi fundada por Lebrão e por seu sócio Joaquim Borges de Meireles. Fotos Sylvia Leite - Matéria Confeitaria Colombo - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAA segunda, e talvez mais promissora, foi a dos primeiros depois da reforma. Joaquim Meireles tinha voltado para
Portugal e vendido sua parte a Lebrão, que colocava em prática seus conhecimentos natos de marketing antecipando-se aos concorrentes.

Mais tarde, em 1944, a Colombo ganhou uma filial em Copacabana, que, embora mais moderna, mantinha o requinte da matriz, mas essa loja fechou as portas em 2003.
Ao longo da história, vários produtos foram consolidando, ainda mais, o nome da confeitaria, entre eles a Geléia de Mocotó, velha conhecida de uma geração de brasileiros. Com a primeira mudança de proprietário, muitos itens saíram do cardápio mas alguns deles foram recuperados quando a Colombo foi novamente vendida. Caso do biscoito Leque, de produção artesanal.
Atualmente, a Confeitaria Colombo tem filiais no Forte de Copacabana, no Centro Cultural Banco do Brasil e no aeroporto de Tom Jobin, mas para conhecer a Colombo histórica e ter uma ideia do que ela representa para o Rio de Janeiro, é preciso ir à matriz, na Rua Gonçalves Dias. 1

Notas

Confeitaria Colombo  – Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Brasil – América do Sul

Texto

Fotos

  • Sylvia Leite

Referências

Livros

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Manoel Augusto de Carvalho
3 anos atrás

Muito bom o lugar nos remete ao inicio do século passado. A conservação é muito boa e a comida também

Sidney Menezes
3 anos atrás

Ad Aeternum. É sempre um grande momento usufruir de um tempinho na Colombo. É uma viagem sempre. Parabéns por mais essa pesquisa.

sonia pedrosa cury
3 anos atrás

A Colombo é um ícone do rio, merece o belo registro que vc fez, Sylvinha.
Adorei!

Nathalia Geromel
Nathalia Geromel
3 anos atrás

A confeitaria colombo é um símbolo do rio de Janeiro, infelizmente deixei para ir de domingo e ela estava fechada, mas amei conhecer através do seu post

Angela Beatriz Camara Martins
3 anos atrás

Adorei ler a história da Confeitaria Colombo Realmente um patrimônio carioca. Passeio imperdível no centro do Rio!

Ju Saueia
2 anos atrás

Ah, que delícia conhecer mais a fundo a história desse patrimônio do Rio de Janeiro que é a Confeitaria Colombo! Eu já a visitei algumas vezes e fico encantada com a beleza do lugar, nem parece que nasceu simples!

normeide neto de carvalho
normeide neto de carvalho
2 anos atrás

Sou apaixonada pela Confeitaria Colombo no Rio de Janeiro, e concordo que é um patrimônio dos cariocas mesmo. E, como sempre, amei ler sobre ela no seu blog e saber mais da história do lugar. Muito bom mesmo. Parabéns.

Daniela Schneider
Daniela Schneider
2 anos atrás

Além de achar o lugar lindíssimo, tenho uma relação de muito carinho com a Confeitaria Colombo, pois meu avó foi garçom lá. Acho uma visita obrigatória para qualquer pessoa que venha ao Rio!

LeoSV
2 anos atrás

A Confeitaria Colombo é um dos meus locais preferidos no centro do Rio. Adoro tomar o chá da tarde com toda a pompa da decoração clássica do local.

Roberto Caravieri
2 anos atrás

A Confeitaria Colombo realmente é um patrimônio símbolo do Rio de Janeiro, eu adorei quando fui, mas fiquei pouco tempo pois já estava pra fechar. É um lugar lindo que te faz voltar no tempo.

Sabrina Albuquerque
Sabrina Albuquerque
2 anos atrás

A Confeitaria Colombo é um dos lugares mais bonitos do Rio. Já fui lá várias vezes, mas sempre parece que é a primeira vez.