Pirenópolis: história e cultura no Planalto Central

Tempo de Leitura: 6 minutos

Atualizado em 03/05/2022 por Sylvia Leite

Igreja de Pirenópolis - Foto Marcos Vinicius Ribeiro dos Santos - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Por fora, a Serra dos Pireneus, que deu nome à cidade. Por dentro, um casario colonial do século 18, que nos traz a memória do Ciclo do Ouro. Para completar, a cidade é palco de uma importante manifestação popular – a Festa do Divino Espírito Santo. E como se isso não bastasse, guarda muita história. História e também histórias – aquelas que antigamente eram grafadas com a letra ‘e’ (estórias) e que sempre foram tidas como ficção. Assim é Pirenópolis, uma pequena cidade histórica localizada no interior de Goiás, em pleno Planalto Central do País, como diz Caetano Veloso.

Rapaz carrega estandarte do Divino - Foto Marcos Vinicius Ribeiro dos Santos - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAAlgumas vezes, a realidade e as lendas se misturam. Outras vezes, é difícil identificar o que é uma ou outra e, em muitos casos, essa diferença não importa tanto. Vamos começar pelo nome da cidade, aparentemente estranho para um lugar tão brasileiro, mas com uma razão de ser: ocorre que, no século 18, a região foi habitada por espanhóis, que batizaram a serra com o nome de Pyreneus – o mesmo das montanhas que separam seu país da França. Segundo alguns, os espanhóis viam semelhança entre a serra daqui e a de lá. Outros acreditam que o nome foi usado por puro saudosismo. O fato é que, por causa do batismo da serra, surgiu o nome Pirenópolis, que significa cidade dos Pyreneus (ou Pireneus).

Ao ser fundada pelo minerador português Manoel Rodrigues Tomar (Manoel Rodrigues Tomás, segundo alguns historiadores), a atual Pirenópolis recebeu o nome de Minas de Nossa Senhora do Rosário Meia Ponte. Assim como o segundo nome, esse primeiro também tinha uma razão de ser: é que havia muito ouro nas margens do Rio das Almas – o curso de água que banha a região – , e, durante várias décadas, a cidade foi um importante centro minerador. Não fossem os espanhóis, a cidade poderia ter mantido esse nome até hoje porque, embora o ouro tenha acabado há mais de dois séculos – e o turismo tenha alcançado um grande espaço na economia – , até hoje a cidade mantém uma importante atividade mineradora – só que agora é de quartzito, e, em menor escala, de calcários, pedrasRua de Pirenópolis - Foto Marcos Vinicius Ribeiro dos Santos - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA ornamentais, argila e areia.

Patrimônio arquitetônico

Do período colonial, ficou a arquitetura barroca que levou ao tombamento, pelo Iphan, de mais de um terço da área total do município. A cidade tem um traçado irregular, adaptado do terreno, com ruas estreitas e casas relativamente simples, pelo menos se comparadas a outras cidades históricas brasileiras.

Na arquitetura religiosa, destaca-se a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, erguida a partir de 1732 pela Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento. A primeira capela foi construída com alicerces de cantaria (alvenaria de pedra), paredes em taipa de pilão (barro socado) e as torres em adobe (tijolo de barro cozido ao sol). Nesses quase 300 anos, a igreja passou por ampliações, reformas e até um longo e polêmico trabalho de restauro,Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário - Foto Marcos Vinicius Ribeiro dos Santos - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA depois de um incêndio que atingiu o telhado e praticamente todo o interior da igreja.

Embora tenha provocado grande destruição física, o incêndio resultou em uma construção social. No lugar do altar-mor consumido pelas chamas, foi colocado o altar-mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que havia ruído algum tempo antes do incêndio. E assim, uma segregação criada na época colonial – quando os negros foram obrigados a construir uma segunda igreja da mesma santa por serem impedidos de entrar na matriz destinada aos brancos – foi simbolicamente encerrada com a junção das duas igrejas.

Festa do Divino - Foto Marcos Vinicius Ribeiro dos Santos - BLOG LUGARES DE MEMÓRIADivino, Cavalhadas e Mascarados

Pirenópolis preservou, ainda, Festa do Divino Espírito Santo – uma tradição inspirada em festejos medievais da Europa e trazida pelos colonizadores não apenas para Goiás , mas para vários outros estados brasileiros. A origem dessa celebração estaria em uma promessa feita pela rainha Isabel de Aragão, que foi canonizada pela igreja como Santa Isabel.

Inconformada com a inimizade entre o marido, o rei Dom Dinis, e o filho do casal, Dom Afonso – porque o pai queria deixar como herdeiro do trono seu filho bastardo Afonso Sanches – , ela prometeu viajar pelo mundo arrecadando donativos para os pobres e usando uma cópia de sua coroa com uma pomba em cima, caso os dois fizessem as pazes. Acredita-se que graças a essa promessa, deixou de ocorrer uma anunciada batalha que ficou conhecida previamente como Peleja de Alvalade.Cavalhada - Foto Mauro Cruz - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

As comemorações pelo suposto entendimento entre pai e filho eram feitas na Europa , especialmente em Portugal,  50 dias depois do domingo de Páscoa, durante a celebração de Pentecostes – a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos, Maria e seguidores de Jesus. A data permanece no Brasil e corresponde, na maioria dos casos, ao  encerramento dos festejos.

Em Pirenópolis, a festa tem duração de 12 dias e envolve inúmeros elementos: as folias que levantam fundos para a festa, além de novena, procissão e missa. Tem, ainda, apresentações de grupos folclóricos, especialmente  as cavalhadas e os mascarados, que já se tornaram sinônimo da Festa do Divino em Pirenópolis. Os primeiros representam a luta entre cristãos e mouros – um tema bastante presente na Península Ibérica, durante a Idade Média. Acredita-se que os mascarados também podem ter raízes em Portugal, mas há quem afirme elas estão na África e as razões de sua existência são ainda menos conhecidas.Mascarados - Foto Marcos Vinicius Ribeiro dos Santos - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Na opinião de muita gente, os mascarados fazem a alegria da Festa do Divino. São moradores da cidade, ou turistas, que se fantasiam com roupas coloridas, usando máscaras de todo tipo – principalmente de papel machê ou de pano – , para não serem reconhecidos. Eles saem pelas ruas, à pé ou a cavalo, brincando com as pessoas, pedindo dinheiro e fazendo bagunça. Qualquer um pode participar, basta se fantasiar e sair pelas ruas, mas para ser mascarado autêntico, é preciso ter flores de papel na fantasia ou no cavalo.

Ao especularem sobre a razão de ser dos mascarados, alguns dizem que a manifestação foi criada para espantar os maus espíritos, como ocorre com mascarados ou monstros de outras manifestações populares pelo mundo afora, mas há quem diga que foi uma espécie de protesto social porque na época somente os ricos podiam tornar-se cavaleiros. E em sintonia com essa versão, muitos mascarados atuais aproveitam o anonimato para fazer protestos políticos.1

Notas

Pirenópolis –  Goiás – Planalto Central –  Brasil –  América do Sul

Texto

Fotos

  • (1,2,3,4,5) Marcos Vinicius Ribeiro dos Santos (Marcosviniciusrs ou Mastrodivino)
  • (6,7) Mauro Cruz

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Ma. Elisa Fernández Delgado
3 anos atrás

Miy interesante!! Felicidades!!

Sidney Menezes
3 anos atrás

É um país de de vários cantos e de vários encantos históricos. Multo legal.

Val Cantanhede
3 anos atrás

Quanta diversidade cultural em Pirenópolis!
Sabia apenas da tradição agroecológica do município e já me entusiasmei em conhecer.
Abraços
Val Cantanhede

sonia pedrosa cury
3 anos atrás

Que legal, Sylvinha! Muito interessante e curioso. Deu vontade de conhecer!

Angela Beatriz Camara Martins
3 anos atrás

Eu adorei conhecer Pirinópolis. Um lugar que me encantou pela história e cultura. Depois de ler esse lindo post, fiquei com vontade de voltar na época dessas festas!

Gisele Prosdocimi
3 anos atrás

Pirenópolis é um destino que está na minha lista de desejos faz um tempo, pretendo conhecer em breve, assim que essa pandemia passar. Ouvi dizer que é uma cidade bastante charmosa e cheia de tradição, como você bem mostrou no seu post: Pirenópolis: história e cultura no Planalto Central. Preciso conferir tudo isso, parece um destino maravilhoso mesmo!

Gisele Prosdocimi
3 anos atrás

Bom saber que dá para fazer uma viagem casadinha com Brasília, obrigada pela dica sobre Athos Bulcão. Vou conferir sim.

Deyse
Deyse
3 anos atrás

Estou louca para conhecer Pirenópolis. Este destino está na minha lista há anos! Amo cultura, amo história, amo a imaterialidade e visitar Pirenópolis é conhecer tudo isso!

Victoria
2 anos atrás

Que interessante saber tantas curiosidades e dicas sobre viagem e história de Pirenópolis. Não é uma cidade tão conhecida do Brasil mas tem potencial de ser, não acha?

Elizabeth Werneck
2 anos atrás

Nossa, adorei as dicas sobre a história e cultura de Pirenópolis. Estou planejando uma viagem pra essa região e com certeza vou seguir as dicas daqui. Estou adorando acompanhar o blog. Parabéns pelo post e muito obrigada por compartilhar. Beijinhos