Mais que um evento, a ‘Semana
de 22” foi um movimento que pregava a liberdade, a ruptura com os valores artísticos herdados do século 19 e, embora tivesse recebido influências de movimentos vanguardistas internacionais, como o ‘futurismo’ italiano, propunha uma abordagem nacionalista para a poesia, a literatura, a música, a pintura e as outras artes. Na falta de um projeto estético comum, a recusa à literatura e à arte importadas era o que unia nomes como Mário e Oswald de Andrade, Menottti Del Picchia, Anita Malfatti, Victor Brecheret, Di Cavalcanti e Heitor Viila Lobos. A Semana de Arte Moderna aconteceu quando o Theatro Municipal tinha apenas 11 anos de construído. Até aquele momento, sua era composta basicamente por espetáculos líricos apresentados por companhias italianas, francesas, alemãs e russas. Além de figurar como um dos acontecimentos mais importantes da história do teatro, o evento marcou o início da abertura da casa de ópera para expressões artísticas não convencionais, como é o caso da dança negra de Katherine Dunhan, em 1950; da ópera em sete atos de Robert Wilson, intitulada,‘Life and times of Dave Clark’, com duração de 24 horas, em 1974; e do espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque, com montagem de Zé Celso Martinez, em 2020, para citar apenas algumas.Com o tempo, o teatro e, principalmente, suas escadarias, ganharam status de tribuna, e passaram a abrigar todo tipo de manifestação: de performances de artistas anônimos e mesmo de alguns já consagrados, a movimentos políticos e sociais. Ao longo das décadas, o teatro recebeu manifestações como os protestos contra o Estado Novo e a ditadura militar, no século 20, ou, mais recentemente, a Semana de Arte contra a Barbárie.
Um prédio que abalou a cidade
O projeto foi concebido pelo escritório Ramos de Azevedo – em colaboração com os italianos Cláudio Rossi e Domiziano Rossi - e a obra durou oito anos para ser concluída. O prédio tem estilo Eclético – que combina características dos estilos Renascentista, Barroco e Art Nouveau – e foi inspirado nos grandes teatros europeus como a Opera de Paris, mas, talvez antecipando-se aos modernistas que se lançariam, uma década depois, em suas instalações, seus construtores não se renderam totalmente ao que vinha de fora e misturaram formas e materiais importados com elementos nacionais como pedras das regiões de Itaquera e Sorocaba. As pinturas do salão nobre são assinadas pelo brasileiríssimo Oscar Pereira da Silva, mesmo tratando-se de uma época em que as atenções estavam voltadas para a arte europeia, e quando vários pintores italianos haviam imigrado para São Paulo.
Se o luxo da decoração impressiona até hoje, imagine o que não significou para a população de São Paulo, quando mal começava a segunda década do século 20. O lustre da sala de espetáculos, por exemplo, é composto por sete mil cristais e 220 lâmpadas. Além das pinturas, o prédio reúne outras obras de arte como mosaicos, vitrais, além de inúmeras esculturas de bronze e de mármore distribuídas nas fachadas principal e lateral.
Sua inauguração, em 1911, foi uma festa privada para convidados ilustres, mas reuniu, do lado de fora, cerca de 20 mil pessoas atraídas pela pompa do edifício e, principalmente, por sua iluminação, numa época em que a luz elétrica ainda era novidade. Costuma-se dizer que, graças ao evento, São Paulo teve
nesse dia o seu primeiro engarrafamento.
Do lado de dentro, os convidados assistiam a uma programação lírica. A escolha inicial tinha a ópera Hamlet, na versão do francês Ambroise Thomas, mas os nacionalistas protestaram e o jeito foi incluir, antes do espetáculo, a execução de o Guarani, de Carlos Gomes. Resultado: não houve tempo para tudo e a programação teve que ser interrompida, deixando a ópera sem epílogo.
Os fantasmas do Municipal
Outra diferença em relação à assombração francesa é que “O fantasma da Opera” tem a identidade revelada e está contido em uma obra literária – o romance homônimo do escritor Gaston Leroux – enquanto em São Paulo há apenas relatos de funcionários e vigias sobre luzes que se acendem de madrugada, ruídos nos camarins quando o teatro está vazio e pianos cujas teclas tocam sozinhas.
Para os que acreditam nas histórias de assombração do teatro paulista, sua veracidade foi confirmada por dois fatos inexplicáveis ocorridos em 2016: o primeiro foi durante a apresentação da ópera Aida quando um elevador cênico que estava em perfeito funcionamento, na hora H não funcionou. O segundo, ocorrido semanas depois, foi na apresentação da ópera “Don Giovanni”, de Mozart. O problema, nesse caso, foi com a energia elétrica, que teve uma queda repentina entre a terceira e a quarta récitas. Mas a direção do teatro não embarcou na tese da assombração e interpretou as falhas como casos de polícia. Mas isso é outra história.
Theatro Municipal de São Paulo – São Paulo - São Paulo – Brasil – América do Sul
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Parabéns pela reportagem do Theatro Municipal...belissima é a historia do Municipal de São Paulo.!
ResponderExcluirObrigada pelo comentário. Pena que você não se identificou. Da próxima vez não esqueça de deixar seu nome.
ExcluirQue delicia de leitura. Como sempre suas narrativas são muito preciosas.
ResponderExcluirHá alguns anos, uma diretora do Teatro, esqueci o nome dela, convidou o Grupo Miguilim para se apresentar.
Não dentro do teatro, mas na entrada, em frente àquela majestosa escadaria.
Elvis começou tocando o aboio e os meninos narraram lindamente, três dias seguidos. A diretora do teatro queria que os trabalhadores transeuntes entrassem para assistir estórias que vinham lá do sertão mineiro.
Ela convidou o grupo para fazer visita monitorada no teatro. E as histórias de assombração do teatro se misturaram com as histórias que os meninos ouviam no sertão.
Depois ela convidou o grupo para assistir o baile Cisne Negro. No camarote.
Acho que era no centenário de Manuelzão quando veio um grupo de Cordisburgo, Andrequicé e Morro da Garça se apresentar no Museu da Casa Brasileira. Aproveitando a vinda deles, a diretora do Teatro Municipal os convidou também.
Olha só: memórias que retornaram depois da leitura do seu texto.
Rosa Haruco
Obrigada, Rosa. É muito bom saber que a matéria lhe trouxe boas lembranças. Beijo
ExcluirEsse Theatro é um monumento, tive o privilégio de assistir uma ópera aí em um final de semana inesquecível!
ResponderExcluirÉ mesmo um monumento. Concordo com você. Obrigada pelo comentário.
ExcluirLindo demais, esse teatro. Uma das muitas preciosidades em São Paulo.
ResponderExcluirÉ verdade, Soninha. Adoro ir lá.
ExcluirNunca visitei o Theatro Municipal de São Paulo. Sou apaixonado por essa arquitetura antiga e todo o simbolismo cultural ao qual os teatros nos trazem à mente. Aprender um pouco mais lendo seu texto foi uma delícia.
ResponderExcluirFico feliz com isso. Espero que volte sempre por aqui. Toda semana tem postagem nova no blog. Acompanhe!
ExcluirSou doida pra assistir uma apresentação no Theatro Municipal de São Paulo, mas nunca consegui.Até agora só conheci o prédio, que aliás é muito bonito. Quem sabe um dia, né ?
ResponderExcluirSil Mendes
Vale a pena. Não desista.
ExcluirGosto muito do Teatro Municipal de Sao Paulo, ja assisti belissimas obras ali. nao fazia ideia que era mal assombrado, muito bom saber mais sobre a semana de arte m. de 22 e essas curiosidades. como sempre adoro seus posts. Temas inteligentes que nos enriquecem.Obrigada
ResponderExcluirBom saber das histórias que estão por trás de cada lugar, não é?
ExcluirNão conheço o Theatro Municipal ainda, por isso amo "viajar" pelos blogs, fiquei de queixo caído com o luxo da decoração e como você descreveu imagino como não foi no passado. Algum historiador/escritor poderia estudar a fundo esses fantasmas e relata-los né? Achei as histórias dos fantasmas bem curiosas.
ResponderExcluirQue bom que gostou. São histórias interessantes mesmo. Obrigada pelo comentário.
ExcluirQue registro poético e histórico do Theatro Municipal de São Paulo. Não conseguimos fazer o tour guiado quando fomos, mas ler o seu post me fez entrar nesse templo clássico e conhecer sua importância cultural que permanece até os dias de hoje.
ResponderExcluirQue bom que você gostou, Fabíola. Obrigada pelo comentário.
ExcluirEu nunca estive no Theatro Municipal de São Paulo. Na verdade acho que não conheço nem o do Rio e nem o da minha própria cidade (Niterói). Conheço alguns em outros países. Amei o seu post com a história e as fotos são maravilhosas. Deu mais vontade ainda de visitar! Obrigada! :)
ResponderExcluirPois então visite porque vale a pena. Obrigada pelo comentário.
ExcluirComo eu AMO o Theatro Municipal. Acho um lugar de beleza exuberante e mostra tanto da nossa história. Adorei as fias!
ResponderExcluirO Theatro Municipal é lindo mesmo. E tem uma programação muito boa.
ExcluirIncrível o seu post sobre o teatro municipal. Ainda não o conheci por dentro, mas sempre tive muita vontade, e conhecer toda a historia me deixou emocionada. Obrigada por isso.
ResponderExcluirEu que agradeço. Pela leitura e pelo comentário.
ExcluirEu nunca conheci a conhecer o Teatro por dentro. Tentei ir uma vez no passeio gratuito que tem a tarde mas as vagas se esgotaram um 2h de antecedencia.. Assim que tiver uma vacina tento ir de novo. Conhecer o Teatro deve ser incrível!
ResponderExcluirPode ter certeza que sim, mas é melhor conhecer assistindo um espetáculo.
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