Cada vez que se constrói uma usina hidrelétrica, o benefício
da eletrificação vem acompanhado pelo alagamento de extensa área, o que
representa um alto custo social, tanto pelo desalojamento - e, muitas vezes,
desagregação da comunidade -, como pelas perdas de fauna, flora e sítios
arqueológicos. Por isso exige-se das empresas construtoras a realização de um
salvamento prévio não apenas de animais e vegetais, mas também de evidências de
civilizações passadas, o que nem sempre é feito de forma satisfatória. A
construção da Usina de Xingó em Canindé do São Francisco, no sertão de Sergipe,
não foge à regra
Acredita-se que esses grupos pré-históricos tenham chegado ao
local cerca de 9 mil anos atrás, vindos do Planalto Goiano, das cabeceiras do
São Francisco e do Sudoeste da Bahia. Supõe-se que pertenciam a uma cultura
arqueológica ainda não identificada. Um dos argumentos em favor dessa tese está
no fato dos utensílios e expressões artísticas ali encontrados serem distintos
do que se conhece, até o momento, na região Nordeste.
Sobre esses povos, sabe-se, por exemplo, que viviam em cavernas ou nos chamados terraços aluviais e alimentavam-se basicamente de peixes e moluscos, apesar de também coletarem frutas e caçarem tatus, lagartos e corujas. Para fabricar seus utensílios e adereços, usavam matérias primas abundantes na região como argila, pedras, madeira, conchas e ossos. Para o transporte, usavam pequenas embarcações como pirogas e canoas. Morriam cedo para os padrões atuais, vivendo apenas de 30 a 40 anos.
Os restos mortais encontrados na região indicam que havia, entre eles, uma estratificação social identificada pelas diferentes maneiras como os integrantes desses grupos foram enterrados: em covas individuais ou coletivas, com mais ou menos complementos funerários, especialmente objetos, vasos de cerâmica e adornos como colares de osso, além de cadáveres de animais.Das marcas deixadas por esses primeiros habitantes da
região, destaca-se principalmente sua arte rupestre*, executada com tinta
vermelha, a partir de pincéis ou das próprias mãos. Entre os temas pintados, encontram-se principalmente imagens
identificadas como figuras geométricas, havendo, também, representações humanas,
de animais e símbolos astronômicos.
O projeto de salvamento
O salvamento foi realizado pela Universidade Federal de
Sergipe - entidade gestora do museu - e teve início em 1988, cerca de sete anos
antes do alagamento. Nesse período, foram descobertos 255 sítios
arqueológicos.
Em uma das covas analisadas, a 119, foi encontrado um
esqueleto de furão sobre a região abdominal do morto. Já na cova 116, havia, sobre os restos humanos, o esqueleto de uma ave de rapina. A suposição é de que
humanos e animais tenham sido enterrados juntos, restando esclarecer, apenas,
se os animais teriam uma relação em vida com as pessoas ali enterradas ou se
teriam entrado em cena apenas no ato do sepultamento.
Com base em estudos realizados no Vale do Moche, no Peru,
acredita-se que a presença de animais em covas possa indicar não apenas a
existência de práticas rituais de sepultamento, mas também a utilização de
algumas espécies na função de psicopompos - entidades capazes de conduzir a
percepção do ser humano entre dois eventos significativos, e que, no caso dos
mortos, atuariam como guias das almas em sua passagem para o outro mundo.
A riqueza do material encontrado ampliou a pesquisa para além da área que seria inundada e para muito além do período de salvamento. Os levantamentos continuam e, segundo Cleonice Vergner, que foi coordenadora do Projeto Arqueológico de Xingó, há trabalho para pelo menos quatro gerações.
O museu que decorre desse salvamento funciona em dois espaços distintos: o prédio de exposições, com cerca de 800 metros quadrados, e os laboratórios de pesquisa, que ocupam uma área duas vezes maior. Juntas, as duas divisões do MAX empregam mais de 40 pessoas e sustentam mais de duzentas, entre funcionários e suas famílias. A maior parte da equipe é formada por moradores da região, muitos dos quais chegaram à instituição sem saber ler e escrever. Hoje todos estão alfabetizadase alguns deles avançaram ainda mais nos estudos chegando a fazer supletivo, graduação e até mestrado.
Arte contemporânea e difusão científica
Na área educacional, o museu realiza um programa educativo
que, por meio de oficinas, cursos, exposições itinerantes e muita brincadeira
procura proporcionar aos alunos de escolas sergipanas, especialmente de escolas
públicas, os primeiros contatos com a Arqueologia e com as pesquisas
desenvolvidas na região do Xingó. O MAX tem, ainda, uma revista científica, a
Canindé, que reúne trabalhos acadêmicos sobre as pesquisas realizadas na região
e sobre temas afins.

* Breve, teremos matéria sobre a arte rupestre da região de Xingó.
Sim, essa região é muito mais do que um passeio de catamarã. Por isso, acho que a visita de ser num final de semana inteiro e não num bate e volta. Há muito o que explorar, conhecer e aprender.
ResponderExcluirBeijão, Sylvinha!
sonia pedrosa.
Verdade, Soninha. Pra ver tudo mesmo tem que ficar pelo menos uma semana. Beijo
ExcluirÓtima matéria, Silvinha! Quero voltar lá. Beijos, Bia.
ResponderExcluirValeu, Bia. Também quero. Bj
ExcluirNão conheço essa região ainda, mas anotei deixei anotadinho aqui para conhecer o Museu de Arqueologia de Xingó: o guardião de uma cultura ancestral
ResponderExcluirUma grande pena o "desenvolvimento" vir carregada de tanta perda, estrago e sem o mínimo de preservação. Quero muito conhecer o Museu de Arqueologia de Xingó, de fato um guardião de uma cultura ancestral.
ResponderExcluirNunca tinha lido algo com tantas riquezas de detalhe sobre a arqueologia do Xingo. Menina fiquei pasmem com a quantidade de tempo estimado pelo arqueóloga para "desvendar" tudo a respeito desse povo, para mim que sou curiosa fiquei feliz com essa descoberta, imagino para quem trabalha na área, fascinante.
ResponderExcluirÉ fascinante mesmo. Vale a pena visitar o museu e a região.
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