Ipiabas: uma vila escondida no Vale do Café

Tempo de Leitura: 5 minutos

Atualizado em 03/04/2022 por Sylvia Leite

Cercada por cidades históricas e localizada bem ao lado de Conservatória – a famosa cidade da seresta – Ipiabas pode parecer, à primeira vista, apenas um lugar de passagem onde é possível viver momentos agradáveis em meio a um cenário natural. Seus atuais frequentadores foram atraídos tanto por essa característica como pelos vários eventos musicais e esportivos que a pequena vila passou a sediar. Mas é no Ciclo do Café que se concentra a riqueza cultural desse distrito de Barra do Piraí, no interior do Rio de Janeiro.

A Ipiabas histórica

Até onde se sabe, os primeiros habitantes da região foram os Coroados – tribo formada a partir da assimilação dos Coropós pelos Goitacases de Campos. Os Coroados, por sua vez, dividiam-se em dois grupos: os Purús, que habitavam Valença, e os Araris, instalados em Rio Bonito (atual Conservatória) e em Ipiabas. Desse período, tem-se poucas notícias. Os registros históricos da região só vão ter início no final do século 18, quando os colonizadores portugueses chegam à região em decorrência das sesmarias – a distribuição, pelo Estado, de terras destinadas à produção agrícola.

A localidade surgiu na primeira metade do século 19, impulsionada por fazendas de café e por uma zona eclesiástica – curato – da Igreja Católica – denominada Nossa Senhora da Piedade das Ipiabas o qual restou a igreja de mesmo nome erguida em 1870. Na época, pertencia a Valença, passando a Barra do Piraí somente um século depois. Não há informação disponível sobre as razões que determinaram a escolha do nome, mas sabe-se que, em Tupi-Guarani, Ipiabas significa sardinha, ou aquele que tem a pele manchada.

Durante o Ciclo do Café, Ipiabas teve grande desenvolvimento, e foi marcada, como toda a região, pela escravidão e pelo desmatamento. Além de reunir grandes fazendas, sua vila era considerada um importante entreposto na rota do café. No casarão que hoje abriga o centro cultural, funcionava uma espécie de quartel conhecido como A Remonta – onde a Guarda Imperial descansava e fazia a troca de animais durante as viagens.

Ipiabas tinha também, uma das estações de embarque e desembarque mais movimentadas da Rede Mineira de Viação, que fazia o transporte de café do Sul de Minas para o Rio de Janeiro e de passageiros de Ipiabas para Barra do Piraí. O prédio resiste até hoje, e está à espera de uma já programada restauração.

Um túnel construído por escravos

Um dos monumentos mais significativos de Ipiabas é o chamado Túnel Velho, feito a pedido da Rede Mineira, para viabilizar a passagem dos trenspor uma rocha, hoje conhecida como Pedra do Gavião, que em seu ponto máximo chega a 250 metros de altura. Assim como outros túneis históricos do Estado do Rio, o Túnel Velho de Ipiabas foi aberto por escravos no século 19, mais precisamente em 1883, e permanece intacto, embora não esteja tombado.

Desde a desativação da Rede Mineira, em 1964, o túnel perdeu sua função original, e também os trilhos, mas não deixou de ser utilizado. Por baixo de seu arco passam hoje turistas e curiosos atraídos pela história de Ibiabas e pelas fazendas históricas, algumas delas abertas à visitação. O túnel também recebe a visita de moradores e frequentadores antigos que o elegeram como local de reflexão ou ponto de parada nos passeios pelas redondezas.

O Capitão Mata-Gente

Além de arquitetura histórica, Ipiabas guarda lendas e a mais conhecida delas é inspirada em uma história real, que tem como protagonista o empresário e fazendeiro Antônio Gonçalves de Morais. Não não se sabe, ao certo, onde termina o fato e começa a lenda. Conta-se que tudo começou quando um feitor da fazenda “Salto Pequeno”, de sua propriedade, foi morto por 20 escravos revoltados com os maus tratos que sofriam.

Para pagar pelo crime, os escravos deveriam ser enforcados. Mas se isso acontecesse, o fazendeiro teria um grande prejuízo, pois precisaria comprar mais negros para substituir a mão de obra perdida. Ele decidiu, então, ordenar aos escravos que jogassem o corpo do feitor no açude preso a uma pedra, para que não fosse encontrado. Como a polícia foi avisada, o corpo teve que ser retirado do açude e levado para um novo esconderijo, desta vez em uma bacia de cal virgem.

Mesmo com o corpo desaparecido, o fazendeiro foi processado e se livrou da cadeia com um pagamento de 60 contos de réis. A partir daí, outras histórias começaram a ser reveladas e Antônio Gonçalves de Morais ganhou o apelido de Capitão Mata-Gente. Segundo corria a boca miúda, ele pagava todas as mercadorias que comprava a caixeiros viajantes e depois os abordava na estrada para pegar o dinheiro de volta. Os que resistiam eram mortos e seus corpos iam parar no açude.

Os fiscais do governo, segundo a lenda, também eram vítimas do Capitão Mata-Gente, que foi o primeiro dono da fazenda Prosperidade, hoje aberta à visitação. Conta-se que embaixo de um alçapão, localizado em uma de suas salas, passava um córrego onde eram jogados os corpos dos fiscais que insistiam na cobrança de impostos.

O Vale do Café

Ipiabas integra hoje o destino turístico conhecido como Vale do Café, que reúne 15 municípios do Vale do Paraíba. É também um dos locais de realização do Festival Vale do Café – evento criado pela harpista Turíbio Santos, que realiza anualmente concertos musicais nas fazendas históricas, shows em praças públicas e oficinas de música para crianças. Conta, ainda, com uma programação musical e esportiva organizada por comerciantes locais.1

Notas

Ipiabas – Barra do Piraí – Rio de Janeiro – Brasil – América do Sul

Texto

Participação especial:

  • Luiz Zappa (Zappa Bar e Restaurante)

Fotos

  • (1, 2,4,5,6,7) Luiz Antônio Zappa
  • (2) ( Foto da Estação) João Carlos Paulino Paiva

Referências

    hello world!

    Para saber mais

     

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    Shellah Avellar
    3 anos atrás

    Sou suspeita para falar de Ipiabas, porque foi o meu refúgio e de outros arteiros que lá derramavam seus talentos. Alguns "até demais"…e que lá deixaram escorrer sons, poesias e outras modinhas.Embora a história de sua arquitetura possam deixar fixadas a recordação física…quando por lá eu passo,ecoam os acordes de violões, cavaquinhos,flautas,gaitas e folhas de fico.Muitos "causos" , risadas e muita camaradagem a céu aberto nas quatro estações que marcaram este coração barrense..Fica aqui o meu abraço para a jornalista Sylvia Leite ,que caminha por aí com olhos abertos pelos cantos do planeta.Até a próxima parada.

    Fatima Casa Nova
    3 anos atrás

    Muito bom!

    Val Cantanhede
    3 anos atrás

    A história da dita "civilização" é sempre marcada pelo genocídio das nações indígenas e dos africanos escravizados.
    A dívida social com esses povos é imensa e apoiar a luta para resgatá-la é o que deve nos mover nesses tempos em que o genocídio se explicita nessa pandemia.
    Sylvinha, estamos com saudades dos nossos encontros e diálogos.
    Abraços de Afonso e meu.
    Val Cantanhede

    romualdorsf@msn.com
    3 anos atrás

    passei minha adolescência, brincando carnaval no antigo clube de Ipiabas, marchinhas, bandas… muitas recordações. E até hoje sempre estou presente neste lugar maravilhoso e aconchegante…

    Mario
    3 anos atrás

    Acredito que merece uma visita. Nossa história não diverge muito de outros países colonizados e com envio de nossas riquezas para os dominadores.

    sonia pedrosa cury
    3 anos atrás

    Belo registro, Sylvinha!Parabéns!
    sonia pedrosa

    Mario
    3 anos atrás

    Acredito que merece uma visita. Nossa história não diverge muito de outros países colonizados e com envio de nossas riquezas para os dominadores.

    Hebe Carvalho
    2 anos atrás

    Que bacana esse seu post Sylvia, não conheço ainda Ipiabas. Achei realmente um local muitas histórias. Já quero conhecer essa vila escondida no vale do café.