Museu do amanhã: um lugar de memória que guarda o futuro

Tempo de Leitura: 6 minutos

Atualizado em 25/03/2022 por Sylvia Leite

Vista externa do Museu do Amanhã - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAHouve época em que a palavra museu estava inteiramente associada à ideia de passado pelo fato desse tipo de instituição ter se originado no hábito de colecionar, que evoluiu para a preservação de objetos com finalidade cultural. O conceito foi se transformando ao longo do tempo e, apesar de não ter perdido as características originais, hoje agrega muitas outras facetas – como preocupações educacionais, de interação com a comunidade e de inclusão social – que o enriquecem e tornam vivo. Mesmo com todas essas mudanças, ainda se pode considerar ‘diferente’, ou até visionário, um museu de ciências (ou seria de filosofia?) que está voltado prioritariamente para o futuro, como é o caso do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

Vista lateral do Museu do Amanhã - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAO futuro parece já estar impresso de maneira bem definida na arquitetura do espanhol Santiago Calatrava, inspirada nas bromélias do Jardim Botânico; na decoração interna, feita quase toda com equipamentos de imagem, e no próprio nome, mas sua consolidação no acervo do museu permanece em construção contínua e dinâmica.

A proposta dos idealizadores é refletir sobre as transformações do período geológico em que vivemos, o Antropoceno – marcado pela possibilidade do homem de gerar impactos na natureza – a partir de dados fornecidos por instituições de pesquisa e pelo acompanhamento dos sinais vitais do planeta no Brasil e no mundo.

Museu do amanhã: uma ponte para o futuro

A preocupação central do museu, isso já deve estar claro, é com a sustentabilidade, e seu principal objetivo é provocar questionamentos internos acerca de nossas ações e sua repercussão no futuro da terra. A abordagem do tema é feita por meio de perguntas filosóficas clássicas:De onde viemos? Quem somos? Onde estamos? Para onde vamos? Como queremos ir?

Churinga, uma ferramenta ritual dos aborígenes australianos - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAPara responder cada uma delas, o museu recorre não apenas a informações, mas também a simbolismos tradicionais e literários. Exemplo disso é a divulgação de uma frase do escritor Jorge Luis Borges – publicadaem seu livro de viagens “Atlas”1 – que demonstra a repercussão de pequenas ações humanas no meio ambiente: “… peguei um punhado de areia, deixei-o cair silenciosamente um pouco mais adiante e disse em voz baixa: Estou modificando o Saara…”.

O simbolismo tradicional vem especialmente por meio da Churinga, uma ferramenta ritual dos aborígenes australianos que foi escolhida para representar o museu e por isso ganhou uma sala especial onde reina dentro de uma oca estilizada. “O museu do Amanhã pretende ser uma churinga do século 21″ diz a legenda explicativa do monumento. A função desse objeto entre os nativos da Austrália é “costurar o tempo, conectando passado e futuro” ao registrar, no presente, a história dos ancestrais e, com isso, interferir na construção dos futuros possíveis.
Na Churinga, o passado é registrado por meio de inscrições geralmente feitas em pedra e madeira. No Museu do Amanhã, nossa história ancestral é apresentada em telas, grande e pequena, horizontal e vertical, alimentada por imagens e sons – alguns produzidos com esse fim, outros gerados por instituições de pesquisa como o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), ou o MIT (Massachusetts Institute of Technology).

Um museu para sentir, pensar e interagir

Instalação Terra - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAA interatividade talvez seja a principal característica do museu, que chega a oferecer aos interessados a possibilidade de simular a repercussão futura de seus hábitos atuais. Isso é feito de forma lúdica, por meio de jogos como o da Pegada Ecológica, que informa quantos planetas precisariam existir no futuro caso todas as pessoas do mundo consumissem do mesmo jeito que você consome. E a experiência não se resume a analisar hábitos atuais. No Jogo das Civilizações, o visitante é convidado a solucionar questões urbanas, climáticas ou de biodiversidade a partir de uma gestão sustentável dos recursos naturais, e sentir na própria pele as dificuldades que enfrentaremos se não construirmos um futuro sustentável.

Igualmente impressionante, apesar de não conter interatividade, é a instalação “Os quatro oceanos”. Composta por quatro lençóis que se relacionam harmonicamente. A ideia é fazer o visitante pensar sobre o fato de que tudo está interligado, em constante movimento, e qualquer interferência em um ponto pode provocar alterações em todos os outros.

Quem resolve seguir a ordem de visitação (recomendável) tem uma experiência ainda mais sensorial pois penetraJogo das Civilizações - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA paulatinamente nas questões apresentadas pelo museu, alcançando uma verdadeira imersão. O caminho começa com a apresentação dos COSMOS, onde o visitante viaja para galáxias distantes e conhece inúmeras formas de vida, depois passa para a TERRA, aonde enormes cubos compostos por telas apresentam as três dimensões do planeta: Matéria, Vida e Pensamento.

É na etapa do ANTROPOCENO que o visitante entra em contato com o próprio poder de destruição ou de construção do futuro, a depender de suas ações no presente para, em seguida, avançar até o pavilhão dos AMANHÃS e ficar frente a frente com essa responsabilidade, por meio de jogos e simulações.

Instalação Antropoceno - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIASomente depois dessa “chacoalhada” promovida por imagens, sons e interações é que o visitante chega à Churinga – única peça museólogica do lugar e único elemento do último pavilhão, batizado como NÓS. Além de simbolizar a ponte na qual o Museu Amanhã pretende transformar-se para unir passado e futuro, esse objeto sagrado aos aborígenes australianos representa também a nossa ponte com a natureza e com as sociedades que se encontram mais próximas da origem.

A sustentabilidade depende de tudo

Instalação Antropoceno - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAQuando se fala em questões climáticas, Pegada Ecológica e outros temas relacionados ao meio ambiente pode ficar a impressão de que, mesmo envolvendo elementos literários e simbólicos, o Museu do Amanhã lida apenas com dados estritamente geográficos. Mas seus registros abrangem um leque muito maior e essa amplitude está presente tanto na exposição permanente – em que é possível informar-se, por exemplo, sobre o DNA dos seres vivos, ou até mesmo sobre a história da escrita -, como nas mostras temporárias, que exploram temas como a capacidade do inventor brasileiro, traduzida pela exposição “O poeta voador, Santos Dumont”. Nessa exposição, os visitantes puderam informar-se sobre o funcionamento das aeronaves, conhecer de conceitos de aerodinâmica e de mecânica de motores, tudo de forma lúdica, por meio de jogos e simulações.

Quem propõe tem que dar o exemplo

Entrada do prédio -Foto Sylvia Leite -BLOG LUGARES DE MEMÓRIAPara ter credibilidade nessa jornada de conhecimento, reflexão e mudança de atitude, o Museu do Amanhã precisa ser o primeiro a utilizar racionalmente os recursos naturais e isso está inscrito no projeto do prédio. A climatização dos ambientes do museu é feita com água da Bahia de Guanabara que, por sua vez, é reutilizada no espelho d’água. Já a energia é obtida por meio de estruturas metálicas que se deslocam como asas de acordo com a posição do sol, permitindo tanto a captação da energia solar para utilizações diversas como a iluminação direta.

O museu dá o exemplo também na questão da acessibilidade, seja em relação a deslocamento, com rampas e cadeiras de rodas, seja em relação à comunicação, com a utilização de linguagens como braile e libras. Ainda assim, há quem cobre a ação do museu em relação ao entorno, que parece não estar sendo tratado com a mesma consciência ambiental, apesar do museu fazer parte do projeto de revitalização da zona portuária do Rio, que passou a ser conhecida, depois das obras, como porto Maravilha, mas talvez essa cobrança devesse ser feita diretamente às autoridades. E é preciso cobrar também a manutenção do museu – único do mundo com esse perfil – que anda ameaçada por falta de verbas.2

Notas

Museu do Amanhã – Praça Mauá – Zona Portuária – Rio de Janeiro – Brasil – América do Sul

Texto

Fotos

  • Sylvia Leite

Participação especial

  • Rosalie
  • Othon Corrêa

Livros editados pelo museu

  • Museu do amanhã
  • Pensando o amanhã
  • O amanhã é hoje
  • Muito + que dois
  • Museu do Amanhã três anos
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Unknown
4 anos atrás

Já fui 2x. É imperdível. A visita deve ser feita sem pressa.

Anônimo
Anônimo
4 anos atrás

���������������� excelente texto. É a primeira vez que vejo esse museu sendo tão bem descrito.
Compartilharei sem moderação.
Beijo querida. Joaquim Sobral

Val Cantanhede
4 anos atrás

Que porreta esse Museu, Sylvinha!
Preciso conhecer.
Abraços
Val Cantanhede

sonia pedrosa cury
4 anos atrás

Um museu fundamental! Além de lindo.
Parabéns, Sylvinha!
sonia pedrosa.

Cleide Sousa
4 anos atrás

Que riqueza de postagem, Sylvia!
Parabéns pelo texto tão completo e esclarecer! Conheci seu blog através do RBBV!

Esse é um passeio que me faltou fazer o Rio. Com certeza vou incluí-lo na próxima vez.
😉

Ivanete
3 anos atrás

Amei conhecer o Museu do Amanhã realmente é orgulho para os cariocas, é a restauração desse espaço que estava abandonado ficou linda, conheci na inauguração, não sei hoje como está…