
A história da imagem envolve episódios sobrenaturais nos quais grande parte dos moradores e visitantes acredita piamente e outros

acontecimentos misteriosos parecem ter ajudado a dar publicidade ao local e a originar uma trezena e uma romaria que se tornam cada vez maiores.
Segundo a maioria dos relatos, a escultura do santo foi descoberta no pé da serra, em uma gruta com forma de coração, e imediatamente levada ao povoado, onde os moradores improvisaram uma capela e começaram a fazer orações a Santo Antônio, mas, em pouco tempo, ela desapareceu. O vaqueiro voltou ao pé da serra e a imagem estava lá, no mesmo ponto onde foi encontrada pela primeira vez. Ele repetiu o gesto, mas houve novo sumiço. O vai e vem da imagem só teria acabado depois que um padre foi a Serra das Araras para benzê-la.
As histórias sobre a imagem 'encantada' começaram a circular na região e a atrair devotos, que vinham de cidades e povoados vizinhos para rezar. Alguns voltavam para casa, mas outros decidiam
ficar para morar perto do santo.

Patrimônio imaterial

Ao longo de dois séculos, a trezena e a romaria tornaram-se grandes eventos religiosos, com repercussão em todo Norte e Noroeste de Minas. Romeiros de vários municípios vizinhos deslocam-se anualmente até São Francisco para fazer o 'caminho sagrado' - que começa lá e termina na igreja de Santo Antônio, em Serra das Araras, relembrando a rota supostamente percorrida pela imagem em seu retorno milagroso à capela do povoado. São 90 km percorridos a pé. O trajeto entre São Francisco e a Igreja de Santo Antônio, em Serra das Araras, nos faz lembrar, ainda, a relação entre os dois santos: por admiração aos freis franciscanos, o padre Antônio decide tornar-se um deles e acaba recebendo do Frei Francisco a tarefa de ensinar teologia aos integrantes da ordem.

Por muito tempo, a primeira quinzena de junho era o único período em que havia padre na cidade todos aproveitavam a ocasião para fazer casamentos, crismas e batizados. Além dos moradores locais, vinha gente de várias outras vilas. Isso acabou motivando uma grande reportagem sobre Serra das Araras na revista O Cruzeiro, com um ensaio fotográfico sobre as noivas e uma foto impressionante que mostra um padre celebrando a crisma de milhares de pessoas. Por muitas décadas, também, a trezena foi cantada em Latim. Tudo isso acabou mudando na medida em que a festa foi crescendo.
A romaria, hoje considerada o maior evento religioso da região, está tombada desde 2009 como Patrimônio Cultural Imaterial pelo Conselho Municipal de Chapada Gaúcha. A trezena passou a ser rezada em português e acompanhada de missas diárias. A multidão, cada vez maior, passou a movimentar o comércio local, atraindo gente que vê na festa uma oportunidade de negócio e vem de longe para vender produtos e serviços - de água mineral a cachaça, de comida a sexo.
Comunidades quilombolas na origem de tudo

Se o local tinha apenas duas famílias na metade do século 20, imagine o que era sua população cem anos antes. E já nessa época, a romaria chamava atenção a ponto de ser registrada pelo pesquisador George Gardner em seu livro "Viagem ao Interior do Brasil", lançado em 1840. Apesar de não fazer referência direta à vila, ele conta a história de uma senhora que ia andar cinco dias a pé para cumprir uma promessa feita a Santo Antônio.
Não muito distante do que foi na origem, com os descendentes de escravos, Serra das Araras vive hoje basicamente de agricultura familiar. A novidade é um punhado de empregos públicos gerados pelas administrações estadual e municipal e os benefícios do Bolsa Família. Durante alguns anos, houve no local uma empresa que gerava renda substituindo a vegetação natural de cerrado por plantações de pinus, mas faliu e foi embora. A outra fonte de renda é o Parque Estadual Serra das Araras, protegido pelo Instituto Estadual de Florestas - IEF, onde os moradores da região podem colher frutas para o próprio sustento e também para comercialização.
Um morador famoso citado por Rosa
Além da imagem encantada, outras histórias povoam o imaginário dos moradores de Serra das Araras. A maioria diz respeito a Antônio Dó - uma espécie de Lampião do Noroeste mineiro que viveu entre 1859 e 1929. Nascido em Pilão Arcado, na Bahia, ele chegou em São Francisco muito jovem, quando ainda nem pensava em ser jagunço. Depois que se transformou em um temido bandoleiro, viveu 10 anos em Serra das Araras.

Acreditava-se que ele usava um amuleto capaz de fechar seu corpo e apenas um tipo de golpe poderia atingi-lo. Aquele que descobrisse esse segredo e tirasse seu amuleto, seria capaz de matá-lo. Quem conseguiu a façanha foi um jagunço a serviço de inimigos, que se infiltrou em seu bando e conquistou sua mulher. Com a ajuda dela, teria descoberto que para matá-lo bastava atingi-lo com uma mão de pilão quando ele estivesse sem a proteção do amuleto.
Quem caminha pelo sertão tem a chance de se deparar, cerrado adentro, com uma seta que indica o local da cova de Antônio Dó. Quem lê o "Grande Sertão Veredas" descobre que o Lampião dos mineiros não apenas se imortalizou-se na tradição oral do Noroeste de Minas, mas também na Literatura - ainda que apenas como figurante - em uma das obras mais importantes já escritas sobre o sertão.
*Há outras versões, mas todas incluem o desaparecimento definitivo da imagem.
Serra das Araras - Chapada Gaúcha - Minas Geais - Brasil
Texto: Sylvia Leite
Consultorias:
- Historiador, pesquisador e professor de História, Xiko Mendes (mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural pela Universidade de Brasília).
- Pesquisadora local, chefe de Divisão de Patrimônio Cultural de Serra das Araras, Maria Rosecley Araújo Almeida.
- Professor de Historia e ex-prefeito de Paracatu, Almir Paraca.
Livros:
- São Francisco nos caminhos da História, de Brasiliano Braz.
- Guia Cultural e Eco-turístico do Entorno do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, de Xico Mendes.
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Maravilha, Sylvinha! Adorei saber um pouco mais desse nosso Brasil, tão rico!
ResponderExcluirBeijão,
sonia pedrosa
Beijoão, querida, obrigada!
ExcluirCompartilhando! Abraço fraterno.
ResponderExcluirObrigada, teca, bj
ExcluirExcelente Silvinha.
ResponderExcluirQue bom que gostou. bjs
ExcluirQ bacana! E tão perto!
ResponderExcluirNão sei onde você está. É perto de Brasília.
ExcluirPor favor, é longe de Cordisburgo? Mais ou menos qtos quilômetros? Agradeço desde já, Silvia
ResponderExcluirNão sei te responder, Letícia. Teria que dar uma olhada no mapa. Eu fui por Brasília.
ExcluirBeleza de matéria, Sylvinha!
ResponderExcluirO Rosa, como sempre onipresente no sertão mineiro.
Abraços
Val Cantanhede
E fácil fazer uma beleza de matéria quando a gente encontra uma beleza de lugar rsrs bjs
ExcluirMuito interessante. Não sabia deste fato ou lenda.
ResponderExcluirSão as histórias deste Brasil que a gente precisa desbravar. Toda quinta tem matéria nova aqui no blog, do Brasil e do mundo. Não perca!
ExcluirQue incrível saber mais sobre a nossa cultura brasileira, tão diversa e forte. Adorei saber e conhecer a história de Serra das Araras! Muito interessante.
ResponderExcluirÉ um lugar delicioso. Parece que você saiu do tempo. Dá vontade de ir ficando.
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