

O mais
antigo, o Mercado Antônio Franco, ou Mercado Velho, foi inaugurado em 1926 com
o fim de organizar o comércio de produtos que era feito de forma indiscriminada
no chão da Avenida Ivo do Prado. Isso porque o antigo mercado, localizado a
poucas quadras dali, já não comportava o movimento dos feirantes. Quase 30 anos
depois, foi o Antônio Franco que tornou-se pequeno para o volume, cada vez maior, de comerciantes e compradores, e isso levou o governo a erguer um novo
prédio, que nasceu como mercado auxiliar e, este sim, foi batizado com o nome de
Thales Ferraz - um engenheiro têxtil que trabalhava em uma fábrica do vizinho Bairro Industrial e, segundo se conta, era amigo da
população ambulante do mercado.

O terceiro -
denominado Gina Franco -, mais recente e mais próximo do bairro, em direção ao
Norte da cidade, é unido aos outros dois por uma praça destinada à realização
de eventos, e assemelha-se a eles pela pluralidade.
Em seu andar
térreo, estão as bancas de produtos hortifrutis, que dividem espaço com
fármácia, lojas de artigos para cozinha e pequenos prestadores de serviço como
sapateiros e consertadores de relógios. O andar de cima é quase todo ocupado
com a chamada ‘feira do Paraguai’ mas há também costureiras dispostas a fazer
qualquer tipo de serviço, de confecção a conserto, desde que não esteja perto
do São João porque nessa época seu trabalho é produzir roupas juninas.
Apesar do
aspecto mais moderno, o Mercado Gina Franco tem história sob os pés e também em
algumas paredes. Foi erguido em 1990, no lugar do antigo porto, recém
transferido para o município de Santo Amaro, e reúne, em seu conjunto, uma
construção contemporânea, um antigo armazém de trigo e o prédio onde funcionava
o Moinho Sergipe.
A barriga e os olhos de Aracaju
O
quadrilátero central e centralizador que hoje reúne os três mercados já foi o
ponto aglutinador de Aracaju quando ao seu redor pulsavam todas as instâncias
da cidade. Ao Norte, havia o Bairro Industrial, com as fábricas Sergipe Industrial e Confiança, a Vila Operária, o Estádio Proletário e a capela da
Paróquia São Pedro Pescador, hoje cravada no estacionamento de um shopping
center. Nesse lado estava também a linha de trem, meio de trasporte que dividia
espaço com os barcos, antes do impulso à indústria automobilística patrocinado
por Juscelino Kubitischeck. Ao sul, ficava o Beco dos Cocos, com sua vibrante
zona de prostituição. A Oeste, estavam a Associação Comercial e o Colégio Nossa
Senhora de Lourdes, onde estudava a elite feminina do Estado. E a Leste, o Rio
Sergipe, com seu porto, por onde chegavam os peixes frescos e por onde iam e
vinham também os navios de passageiros, alguns deles bombardeados
na costa Atlântica, cerca de 20 km adiante em direção ao sul, durante a Segunda
Guerra Mundial.

Mesmo quando
os serviços já tinham migrado em direção à Zona Sul, o colégio das freiras
deixou de existir, as classes média e alta passaram a fazer compras em
super-mercados e as prostitutas foram lentamente abandonando o Beco dos Cocos,
o mercado continuou encantando pesquisadores e artistas.
Um café da manhã feito ritual
Durante
décadas, feirantes e boêmios dividiram, ao nascer do sol, as rústicas mesas do
mercado, distribuídas em cima de tablados que mais pareciam palafitas - e
serviam para drenar a lama formada pelos restos de comida. Eles sentavam alí
para para tomar café com leite e comer cuscuz com ovos ou acompanhado de algum
dos mais diversos pratos de carne que até hoje permanecem cardápio: de galinha ou carne ensopada (ali chamada de galinha ou carne frita) a carne do sol.
Para os
trabalhadores, era a refeição inicial, o ganho de energia necessário ao dia de
trabalho pesado que teriam pela frente. Para quem vinha dos bares e boates, era
o alimento final, do corpo e da alma, antes de adormecer com o dia já raiado.
Mais que
matar a fome depois da farra, o café do mercado tinha a função, quase ritual,
de encerrar a noite com poesia, seja de textos declamados, de letras cantadas
ao som de violão, ou do simples conversar observando o vai e vem do ambiente
mais vivo da cidade àquela altura da madrugada.
Versos,
fotogramas e coreografias
Essa
vivência alimentou gerações e deu frutos. O lugar foi cantado por Alcides Melo na música Mercado Thales Ferraz, vencedora do Primeiro Festival Sergipano de
Música promovido pela TV Sergipe. Cidão, como é conhecido em Aracaju, acha que
o mercado é "um pertencimento do povo sergipano". Influenciado pela
literatura do escritor regionalista Amando Fontes e por sua própria vivência,
ele exaltou as docas do porto, o cheiro de povo das verdureiras e prostitutas;
se irmanou com os pombos e fez com que a cidade inteira tomasse conhecimento da
poesia que se escondia em cada ponto daquele mercado - na época sujo e desorganizado, ao ponto de
não se conseguir enxergar a beleza de sua arquitetura.

O Thales
Ferraz também inspirou um dos maiores espetáculos de dança da história da
cidade: "Feira dos Aracajus", criado e dirigido pela bailarina Lu Spinelli. Mais que isso: foi e ainda é palco de vários espetáculos de teatro de
rua, especialmente do já histórico Grupo Imbuaça.
Mais
recentemente, armazéns do Mercado Antônio Franco, situados à Rua Santa Rosa,
sediaram, em sua segunda fase, um dos projetos mais conhecidos da cidade: a Rua
da Cultura, que reunia músicos artesãos e outras manifestações artísticas.
O Thales
Ferraz virou cartão postal
Com o tempo,
parte dessa magia se perdeu. As novas
gerações de artistas e intelectuais já não tomam café da manhã no mercado.
Talvez por isso, os restaurantes que servem a refeição matinal dos
trabalhadores agora só abrem às sete da manhã. Os violeiros também são
escassos. Costumam aparecer no sábado de manhã, mas nem sempre temos a sorte de
encontrá-los. Na ausência deles, outros artistas ocupam a cena, usando
microfone e tocando instrumentos menos populares. Os tipos folclóricos
envelheceram e não surgiram outros para substituí-los.
Mesmo assim,
muita gente ainda prefere fazer suas compras por lá. Uns querem apenas ter
acesso a uma maior variedade e conseguir alimentos mais frescos. Outros vão
saborear o ambiente que ainda guarda, em suas paredes e prateleiras, as muitas
histórias vividas ali por feirantes e boêmios.
Mas já faz
tempo que o Thales Ferraz deixou de ser apenas dos sergipanos. Como já foi
citado anteriormente, todo o conjunto passou, em 1990, por um
processo de restauração e refuncionalização. As barracas de madeira e outras
construções que se acumulavam dentro e fora dos prédios foram removidas e os
comerciantes recolocados no novo prédio. Com isso, a beleza da arquitetura
reapareceu. Os encantos naturais - como cores, aromas, sabores, saberes e a
própria diversidade - somaram-se à nova aparência, e os três mercados que nos
acostumamos a chamar genericamente de Thales Ferraz foram descobertos pelos
turistas. E agora os turistas estão ensinando os sergipanos a gostarem ainda
mais dos seus mercados.
Mercado Thales Ferraz - Aracaju - Sergipe - Brasil
Texto: Sylvia Leite
Referências:
Consultoria:
Ana Libório, arquiteta responsável pelo Projeto de Resgate da Paisagem Urbana de Aracaju, realizado na década de 1990, que incluiu a refuncionalização dos mercados Antônio Franco e Thales Ferraz e a construção do Mercado Gina Franco.
Música:
Mercado Thales Farraz, de Alcides Melo - Letra com grafia original: Nas docas do porto, nas bocas- -de-fumo/ nos pratos-dos-dias, das feiras de cais / do Bêco dos Côcos à Ponte do Limo/ nos mictórios, nos cabarés: um cheiro de povo/ se gruda aos corpos das prostitutas, nas verdureiras, / dos biscateiros e carregadores/ dos camelôs e da mendicancia /// E os pombos brancos são meus irmãos,onde eles dormem/eu adormeço /// Num céu de estrelas converso com a lua./Num chão de marquises deito minha alma. /Nas bancas de peixe, nos talhos de carne/eu canto o meu povo do Thales Ferraz.
Vídeos:
Especial Mercado Municipal de Aracaju, de Ana Libório sobre o projeto de restauração e refuncionalização dos três mercados.
Reportagem da TV Sergipe sobre o Primeiro Festival Sergipano de Música.
Entrevistas e depoimentos: Luiz Eduardo Oliva, Alcides Melo, Ilma Fontes, Clara Angélica Porto, Guga Viana, Chico Pires, Lulu Shunk.
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Referências:
Ana Libório, arquiteta responsável pelo Projeto de Resgate da Paisagem Urbana de Aracaju, realizado na década de 1990, que incluiu a refuncionalização dos mercados Antônio Franco e Thales Ferraz e a construção do Mercado Gina Franco.
Música:
Mercado Thales Farraz, de Alcides Melo - Letra com grafia original: Nas docas do porto, nas bocas- -de-fumo/ nos pratos-dos-dias, das feiras de cais / do Bêco dos Côcos à Ponte do Limo/ nos mictórios, nos cabarés: um cheiro de povo/ se gruda aos corpos das prostitutas, nas verdureiras, / dos biscateiros e carregadores/ dos camelôs e da mendicancia /// E os pombos brancos são meus irmãos,onde eles dormem/eu adormeço /// Num céu de estrelas converso com a lua./Num chão de marquises deito minha alma. /Nas bancas de peixe, nos talhos de carne/eu canto o meu povo do Thales Ferraz.
Vídeos:
Especial Mercado Municipal de Aracaju, de Ana Libório sobre o projeto de restauração e refuncionalização dos três mercados.
Reportagem da TV Sergipe sobre o Primeiro Festival Sergipano de Música.
Entrevistas e depoimentos: Luiz Eduardo Oliva, Alcides Melo, Ilma Fontes, Clara Angélica Porto, Guga Viana, Chico Pires, Lulu Shunk.
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Eu adoro o mercado e vou por lá, sempre aos domingos, para comprar frutas e flores. Para mim, é um ritual delicioso, que faço questão de realizar.
ResponderExcluirBeijo, Sylvinha!
sonia pedrosa
Que legal! Eu gosto muito e fui grande frequentadora na época dos cafés da manhã.
ExcluirShow, deu vontade de ir já!
ResponderExcluirBora!
ExcluirAmei..o mercado é a alma do aracajuano. E tem uma vista linda pra o Rio Sergipe.
ResponderExcluirMuito bem retratado aqui.
Obrigada. Da próxima vez, por favor deixe seu nome.
ResponderExcluirSempre que vou à Aracaju tenho que passar no Mercado. Adoro o beiju molhado de lá.
ResponderExcluirEu também adoro o beiju molhado de lá rsrsr. Você esqueceu de se indentificar, Da próxima vez deixe o nome, ok? E volte sempre. Toda quinta tem matéria nova no blog.
ExcluirQue maravilha seu texto poético-antropólogico sobre o Mercado Thales Ferraz, Sylvinha!
ResponderExcluirPerfeito!
Bjs,
Val Cantanhede
Valeu, Val. Bom te encontrar por aqui. bjs
ExcluirEU ARNALDO GONÇALVES DA SILVEIRA IRMAO DO SAUDOSO ARTISTA PLÁSTICO DANIEL GONÇALVES DA SILVEIRA FICO CONGRATULANDO POR REVER ESTÁ LINDA OBRA TRATANDO-SE DOS TRÊS MERCADOS DE MINHA QUERIDA ARACAJU QUE TANTO AMO DE TODO MEU CORAÇÃO NÃO CONTENÃO AS MINHAS LÁGRIMAS DE MUITA EMOÇÃO POIS MORO MUI TÔ DISTANTE DE ARACAJU MAIS GUARDOU CADA TREINO E RUAS DE MINHA TERRA AQUI VAI MEUS CINSERIDADE ABRAÇOS A TODOS MEUS CONTERRANOS ARACAJUANO
ResponderExcluirObrigada pelo comentário, Arnaldo. Bom saber que você gostou. Toda quinta tem matéria nova no blog. Acompanhe!
ExcluirPEÇO DESCUPA POR ALGUNS ERROS NA ESCRITA O PRÓPRIO CELULAR ARROUBOS ALGUMAS PALAVRAS
ResponderExcluirOK, não tem problema.
Excluir