Bukhara: um caldeirão de culturas, etnias e religiões

Tempo de Leitura: 5 minutos

Atualizado em 28/03/2022 por Sylvia Leite

Minarete e mesquita Kalon em Bukhara - Foto de Jean-Pierre Dalbéra - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAAo ter seu centro histórico tombado pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade,  Bukhara, no  Uzbequistão, foi descrita como o exemplo mais completo e preservado de layout e edificações urbanas medievais na Ásia Central. Foi ressaltada, ainda, sua importância histórica como oásis da famosa Rota da Seda 1 e como o maior centro de teologia muçulmana, principalmente de Sufismo, entre os séculos 9 e 16. Para completar, embora isso não conste do rol de qualidades que justificaram o título, não se pode esquecer que Buhkara está no imaginário de quem leu e se encantou com as histórias narradas no Livro das Mil e Uma Noites. 

Tão diversa quanto as descrições, é sua formação étnica e cultural. Tida como um dos principais pontos de descanso da rota da seda, por estar localizada à beira de dois desertos – Kara Kum ou Areias Negras e Kyzyl Kum ou Areias Vermelhas) – e próxima à uma importante região agrícola, Bukhara foi povoada inicialmente pelos persas, mas era cobiçada por vários povos e acabou invadida por líderes lendários como o mongol Gengis Khan, que destruiu a cidade no século 13, e o turcomano Tamerlão, que a governou no século 15. Há quem afirme que, no século 4 antes de Cristo, a cidade tinha sidoLyabi-Hovuz  em Bukhara - Foto de Ymblanter em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA dominada durante certo período por Alexandre, o Grande, mas a informação é polêmica.

Embora sem governantes tão famosos, os árabes foram os conquistadores que deixaram maiores marcas em Bukhara. Após sua conquista, no comecinho do século 8, instalou-se no local um importante centro cultural e religioso que atraia intelectuais, estudantes e religiosos de todo o mundo muçulmano. Cerca de dois séculos depois, a cidade foi escolhida pelo emir persa Ismail Ibn Amad como capital do Reino Samanid Independente*. Nessa época, nasceu e viveu ali, o médico e filósofo persa Ibn Sina – conhecido no ocidente como Avicena. A expansão prosseguiu até a invasão mongol e foi retomada com a invasão dos turcomanos, também de religião islâmica.

O pico da prosperidade foi atingido no século 16, sob o domínio de Khan Sheibani, que instalou ali  sede de um império conhecido como Khanato de Bukhara. É dessa época a Estatua de Nasrudin - Foto de LoggaWiggler em Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAmaior parte dos monumentos históricos como o complexo Poi-Kalyan, composto pela mesquita de Kalyan, seu minarete homônimo, e pela madrassa Mir-i Arab.

É também desse período, a praça Lyabi-Khauz (perto da lagoa , em Persa**) que reúne antigas madrassas e atuais cafés em volta de uma das poucas lagoas artificiais restantes entre as muitas que já existiam na cidade e compunham seu sistema de abastecimento hídrico. Nas margens, encontram-se amoreiras – espécie presente também em outros pontos da cidade –  e uma escultura de Nasrudin Hodja – conhecido personagem sufi de histórias de ensinamento, originário do folclore turco, que, aqui no Brasil, costuma ser comparado a Pedro Malasartes.

A última grande conquista e ocorreu em 1924, quando Bukhara e Samarcanda foram anexadas à República Socialista Soviética do Uzbequistão, dentro da hoje extinta União Soviética, tornando-se socialista, e permaneceu assim por mais de 60 anos até sua independência, em 1991, possibilitada pela dissolução do bloco.

Maosoléu Samanid - Foto falco por Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

A diversidade de religiões

Toda essa mescla ocorreu também no campo religioso. Com os persas pré-islâmicos, Bukhara conheceu o Zoroastrismo. Com os mesmos persas, a cidade teria abrigado o culto à deusa Anahita, ou Anaíta, tida como divindade das águas, associada à fertilidade, à sabedoria e à cura.

Bukhara teria sido também lugar de refúgio dos adeptos de religiões perseguidas pelos Sansânidas como Maniqueísmo e Cristianismo Nestoriano. Moedas e cruzes desse período, encontradas na cidade, indicariam que, nessa época, a religião oficial da casta dominante pode ter sido o Cristianismo.  Com os árabes, veio o Islamismo, interrompido oficialmente, em 1924, com a anexação à União Soviética, mas mantido como religião dominante até hoje, ao lado de uma minoria de cristãos ortodoxos, católicos e outros pequenos grupos.

A diversidade de religiões pode estar expressa na madrassa de Chor Minor, cujo nome significa quatro torres e que ficou conhecida por suas cúpulas azuis. Conta-se, na cidade, que essas torres foram erguidas para representar as quatro religiões conhecidas em Bukhara na época de sua construção: Islamismo, Cristianismo, Zoroastrismo e Budismo. Não há documentos que comprovem essa afirmação, mas cada uma das torres tem uma decoração diferente, e acredita-se que os motivos usados são alusivos a cada uma dessas crenças.

Bukhara e suas lendas

Embora a imagem literária de Bukhara tenha chegado a nós, aqui no Ocidente, por meio do Livro das Mil e Uma Noites, é o épico iraniano Shahnameh, ou Épica dos Reis, – escrito pelo poeta Ferdowsi entre os séculos 10 e 11 – que narra a origem lendária da cidade. Segundo o poeta, o fundador de Bukhara teria sido Siavash – filho de um mítico rei iraniano da dinastia Pishdak. Acusado de tentar seduzir e violar a própria madrasta, Siavash deixou o Iran e acabou se casando com a filha do rei Afrasiab, de Samarcanda, de quem ganhou as terras do oásis de Bukhara. Alí construiu a fortaleza de Arca ou Arq (nome persa para cidadela) e, a sua volta, a cidade de Bukhara. Parte da cidadela ainda existe e está entre os monumentos mais visitados da cidade. Já foi usada como sede do governo, palácio do Emir, mesquita e até como cárcere. Atualmente, abriga uma mesquita e um pequeno museu.
Outro monumento envolvido em lenda é o minarete Kalyan, construido em 1127 pelo governante Qarakhanid Mohammad Arslan Khan e transformado no maior ícone de Bukhara não apenas por sua altura, superior a 45 metros e com mais de cem degraus, mas também por ter sido a única construção que sobreviveu à invasão de Gegis Khan. Conta-se que, ao deparar-se com o minarete, o líder mongol se curvou, pensando ter visto Deus e ordenou que o poupassem. Outro monumento que escapou da fúria de Gengis Khan foi o Maosoleu de Ismail Samanid, do século 10 – que mistura traços arquitetônicos do Zoroastrismo e do Islamismo – mas, nesse, caso, não por benevolência, e sim porque, na época da invasão,o prédio estava soterrado na lama, após várias inundações.1

Notas

Bukhara – Uzbequistão – Ásia Central – Ásia

Texto

Fotos

    Referências

    Compartilhe »
    Increva-se
    Notificar quando
    guest
    18 Comentários
    Avaliações misturadas ao texto
    Ver todos os comentários
    Unknown
    3 anos atrás

    Excelente matéria. Instiga a vontade de estar no lugar.

    Val Cantanhede
    3 anos atrás

    Que texto magnífico, Sylvinha! Um deleite a leitura e as fotos.
    Bjs,
    Val Cantanhede

    Marcelo
    3 anos atrás

    Excelente matéria, viajei, curtir é voltei.

    sonia pedrosa cury
    3 anos atrás

    Valeu pelo texto, Sylvinha! Eu tenho especial interesse no Uzbequistão e seu texto contribuiu muito para o meu conhecimento. Super obrigada.
    sonia pedrosa

    Azamor
    3 anos atrás

    Obrigada Silvya Leite por destacar a belíssima Bukhara. Cidade de tanta historia, arquitetura magnífica e mescla de religiões e sabedoria.

    Luana
    Luana
    2 anos atrás

    Que post sensacional! Parabéns! Eu já imaginava que Bukhara fosse um caldeirão de culturas etnias e religiões, mas me surpreendeu mais ainda! Obrigada por compartilhar dicas e detalhes tão ricos assim!!!

    Bia
    Bia
    2 anos atrás

    Valeu, Silvinha! Ótimo texto e belas fotos!

    Alexandra
    Alexandra
    1 ano atrás

    Se Deus quiser, vou conhecer em breve essa maravilha que é Bukhara, um caldeirão de culturas, etnias e religiões. Sempre me encantei com essa mistura de estilos arquitetônicos e de culturas.

    Angela Martins
    Angela Martins
    1 ano atrás

    Seus posts sempre me inspiram! Não conhecia Bukhara. Mais um destino fascinante!