

Gabo - como costumava ser chamado por amigos - viveu cerca de dois anos em Cartagena - o suficiente para as imagens da cidade impregnarem sua memória e contribuírem de forma decisiva para a construção de seu estilo literário, que ficou conhecido como Realismo Fantástico. O próprio escritor teria admitido que em suas melhores recordações, e em todos os seus livros, estão presentes, de alguma maneira, as cenas, as pessoas e os lugares que ele conheceu ou avistou por lá.
Foi em Cartagena que García Márquez iniciou sua carreira jornalística como repórter do diário El Universal sob a chefia de Clemente Manuel Zabala, a quem reconheceu pelo resto da vida como seu primeiro mestre. E, dessa rápida experiência, ele extraiu o tema de um romance que seria publicado quase cinquenta nos depois: De amor e outros demônios.
De Amor e Outros Demônios
Como conta o escritor em uma curta introdução ao livro, o mote para sua criação foi um fato ocorrido em 26 outubro de 1949, que ele presenciou ao fazer uma cobertura para o El Universal. Naquele dia, as criptas da capela do antigo convento de Santa Clara estavam sendo removidas porque no local seria construído um hotel cinco estrelas, que existe até hoje. Ali estavam enterrados não apenas bispos e outros religiosos, mas também pessoas leigas de famílias nobres e, de uma das tumbas, surgiu um crânio de criança preso a uma enorme cabeleira ruiva que media 22 metros e 11 centímetros.

Mas uma recordação da infância, passada em Aracataca - pequena cidade a cerca de 250 km dali - mudou o rumo das coisas. O jovem jornalista lembrou ter ouvido de sua avó a história da filha de um marquês que morreu aos 12 anos, "do mal de raiva, transmitido em uma mordida de um cachorro, e que era venerada nos povoados do Caribe por seus muitos milagres"*. Segundo a lenda, a menina tinha uma cabeleira tão longa que mais parecia a cauda de um véu de noiva.

A suspeita de que aquela ossada, identificada como Serva Maria de Todos os Anjos, pudesse ser da tal marquesinha milagreira foi 'gancho' para a matéria do El Universal, na década de 1940, e inspiração para o romance ficcional, publicado em 1994.
"De Amor de Outros Demônios" não é o único livro de Gabo diretamente relacionado a Cartagena. Em "O amor nos tempos do cólera", um de seus romances mais famosos, ele narra uma paixão proibida, inspirada na história de seus próprios pais, que tem como cenário a cidade caribenha. Já o livro "Relato de um Náufrago", lançado em 1970, reúne uma série de reportagens publicadas quinze anos antes no El Espectador sobre o polêmico naufrágio de um navio de guerra que se dirigia a Cartagena.
Quem se dispuser a procurar, provavelmente encontará elementos e relatos fantásticos de Cartagena - de forma assumida ou velada - em cada um de seus livros inclusive em "Cem anos de solidão",
ambientado na mágica e lendária cidade de Macondo, que, para muitos, é uma mistura de Cartagena com Aracataca.
Cartagena: a cidade escolhida

Ao recordar o dia de sua chegada à cidade, ele afirma sobre a mudança de cenário: "de repente, o mundo havia se tornado outro em Cartagena. Não havia rastros da guerra que assolava o país..." Sobre a cidade em si, ele faz a seguinte reflexão: "me bastou dar um passo dentro da muralha para enxergá-la em toda sua grandeza à luz malva das seis da tarde, e não pude conter o sentimento de haver tornado a nascer."**
Aquela não era uma cidade qualquer, mas um lugar do qual tinha ouvido falar por toda sua vida de criança e adolescente, e onde havia experimentado ou presenciado situações inesquecíveis. Um local onde viveu por apenas dois anos, mas frequentou pelo resto da vida, entre outras razões porque sua família mudou-se para lá. Foi, ainda, o espaço que elegeu para sediar uma fundação que leva o seu
nome, criada em 1995 com o fim de incentivar o jornalismo independente.

Uma presença oculta


Nesse roteiro vale acrescentar, ainda, uma passagem pela esquina da orla com a rua Zerrezuela, onde se pode observar, de fora, a casa cor de telha que ele mandou construir para abrigá-lo em suas constantes visitas à cidade.
E os que preferirem estimular a imaginação, podem andar em silêncio pela antiga muralha, com um de seus livros nas mãos, admirando o lendário mar do Caribe e parando, de vez em quando, para ler alguns trechos ou tentar relembrar algumas de suas cenas.
* O trecho entre aspas foi extraído da introdução ao livro "De Amor de Outros Demônios".
**Os terchos entre aspas foram extraídos do corpo do livro "Vivir para contarla".
Cartagena das Índias - Colômbia - Caribe
Jornalista - MTB: 335 DRT-SE / Linkedin / Lattes
(1,2,4,5,6,7, 9) Sylvia Leite
(3) Divulgação Hotel Santa Clara (Obs: a publicação desta foto não tem caráter publicitário)
(8) Alexandre Cerqueira usina3/ Pixabay
Referências:
Site Fundação Gabo
Site Unesco
(1,2,4,5,6,7, 9) Sylvia Leite
(3) Divulgação Hotel Santa Clara (Obs: a publicação desta foto não tem caráter publicitário)
(8) Alexandre Cerqueira usina3/ Pixabay
Referências:
Site Fundação Gabo
Site Unesco
Livros:
De amor e outros demônios, Gabriel García Márquez
O amor nos tempos do cólera, romance de Gabriel García Márquez
Vivir para contarla, autobiografia de Gabriel García Márquez
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Vivir para contarla é imperdível. Grata Sylvia. Pela reportagem sobre Cartagena e Gabo. Lembrei que preciso reler. Um tesouro de histórias.
ResponderExcluirEu que agradeço pela leitura e pelo comentário. Abs, Sylvia
ExcluirQuanta beleza em seu relato, Sylvinha!
ResponderExcluirJá tinha ouvido de amigos comentários elogiosos sobre Cartagena, mas seu texto com detalhes da vida do Gabo por lá reacendeu o desejo de conhecer a cidade.
Abraços
Val Cantanhede
Que bom! Não vai se arrepender. Abraços
ExcluirObrigada Silvia pelo relato pleno de informações sobre Gabriel Garcia Marquez e a simpática Cartagena.
ResponderExcluirEu que agradeço pela leitura e pelo comentário, Vânia. Bjs
ExcluirQue delícia de texto, Sylvinha! Deu vontade de conhecer!
ResponderExcluirBeijão,
sonia.
Você vai gostar, Soninha. Beijos
ExcluirCatargena é uma cidade linda. O Convento que foi transformado em hotel 5 estrelas, qdo fui lá eles permitiam visitar os jardins e admirar a aequitetura do antigo convento..no jardim tem uma escultura do Botero.
ResponderExcluirÉ linda mesmo! Obrigada pelo comentário. Só faltou dizer seu nome.
ExcluirJá estive em Cartagena. Realmente é uma cidade linda. Voltarei assim que puder.
ResponderExcluirTambém gostaria de voltar e passear um pouco mais pelas muralhas. Abs.
ExcluirSaudades de Cartagena. Quando será que voltarei?
ResponderExcluirQuem sabe? ...
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