
O lugar parece uma arena teatral a céu aberto e as cruzes fincadas nas pedras mantêm viva a memória

O trajeto começa em Piranhas (AL), do outro lado do Rio São Francisco, de onde saíram as tropas oficiais, e inclui uma viagem de barco que hoje dura de 30 a 40 minutos, a depender do tipo de embarcação. Já na margem direita (SE), o visitante inicia o trajeto por uma trilha aberta na caatinga.
Embora o caminho já esteja muito mais ameno do que na época dos acontecimentos históricos - quando a caatinga era aberta a facão - é preciso disposição e preparo físico para encará-lo. São quase 700 metros de terreno acidentado, que dificilmente se consegue vencer em menos de meia hora.**

A visita oferece ao viajante um vislumbre do complexo contexto geográfico em que os fatos ocorreram: por um lado, uma paisagem de tirar o fôlego do ainda caudaloso Velho Chico. Por outro, e a poucos quilômetros do leito, a crueza da caatinga, seca, fechada e espinhenta.
No local da matança, duas cruzes homenageiam o casal de líderes e seus companheiros. Do outro lado, uma cruz isolada lembra o único soldado morto na operação: Adrião
Pedro de Souza.
As dificuldades do trajeto são compensadas pela sensação de estar em um local ainda preservado que foi palco de um dos acontecimentos mais marcantes da história do Brasil.
O massacre na Grota de Angico
O massacre de Angico aconteceu em 28 de julho de 1938. Sua enorme repercussão deve-se principalmente à morte do casal Lampião e Maria Bonita, pois a volante de Piranhas não conseguiu exterminar nem metade dos 35 cangaceiros reunidos no local.
O bando foi entregue acredita-se que involuntariamente, por Pedro de Cândido, um de seus coiteiros - nome dado às pessoas que protegiam os bandos, em sua maioria fazendeiros, pequenos sitiantes ou mesmo autoridades.
Depois de quatro dias no local, Lampião pediu a Pedro Cândido que providenciasse mantimentos. O coiteiro, todos sabiam, tinha uma família pequena e chamou a atenção das pessoas a grande quantidade de rapadura, farinha e carne seca que ele comprou.
Em pouco tempo, a notícia já tinha chegado a Piranhas e o tenente João Bezerra da Silva começou a planejar a emboscada. O primeiro passo era torturar o coiteiro até que ele entregasse o esconderijo do bando. A cada pergunta não respondida, Pedro perdia uma unha. Não aguentando a tortura, ele e seu irmão, que também foi torturado, acabaram guiando os policiais até a grota.


Durante período, foram analisadas por equipes do instituto com base em uma teoria discriminatória desenvolvida pelo criminologista italiano Cesare Lombroso. De acordo com esse teórico, as pessoas que se tornam criminosas já nascem com essa predisposição e podem ser identificadas por características físicas e biológicas.
Depois da longa temporada de exposição e estudos, as cabeças foram enterradas no cemitério Quinta dos Lázaros, em Salvador. Somente em 2002 é que Expedita Ferreira Nunes, a única filha de Lampião e Maria Bonita, conseguiu reaver os crânios dos pais e acredita-se que ela os tenha enterrado em algum cemitério de Aracaju, cidade onde vive, mas sobre isso não há informações oficiais.
A história do cangaço
Como quase todos sabem, o cangaço foi um fenômeno social ocorrido entre os séculos 19 e 20 no sertão do Nordeste provavelmente em resposta à falta de emprego, alimentos e cidadania. Os cangaceiros eram andarilhos que vagavam pelas cidades e fazendas desafiando a ordem vigente e arrancando recursos dos fazendeiros. Usavam roupas e chapéus de couro para se proteger do sol e dos
espinhos da caatinga. Calçavam sandálias de solas grossas que além de livrarem os pés dos espinhos e do calor, ainda ofereciam a vantagem de secar mais rápido que as botas quando era preciso atravessar um riacho.

Essa adaptação ao contexto geográfico e o grande conhecimento do sertão fazia com que tivessem grande agilidade e levassem grande vantagem sobre os policiais. Com isso foram crescendo e se multiplicando ao longo de aproximadamente cem anos.
Entre lendas, fatos reais e narrativas que misturam as duas realidades, a imagem do cangaço foi sendo construída pelos os moradores do serão. Um desses 'causos' explica o apelido de Virgulino Ferreira da Silva. Conta-se que em um de seus ataques a fazendas, Lampião atirou tanto que o fogo de suas balas iluminou a noite.
Há também histórias de horror, segundo as quais cangaceiros jogariam crianças para o alto e as aparariam com punhais. Mas também há relatos de distribuição de alimentos e até de dinheiro com as populações mais pobres.
Entre lendas, fatos reais e narrativas que misturam as duas realidades, a imagem do cangaço foi sendo construída pelos os moradores do serão. Um desses 'causos' explica o apelido de Virgulino Ferreira da Silva. Conta-se que em um de seus ataques a fazendas, Lampião atirou tanto que o fogo de suas balas iluminou a noite.
Há também histórias de horror, segundo as quais cangaceiros jogariam crianças para o alto e as aparariam com punhais. Mas também há relatos de distribuição de alimentos e até de dinheiro com as populações mais pobres.
As ações e as motivações dos cangaceiros são até hoje discutidas por historiadores e sociólogos. E as interpretações variam desde uma visão inteiramente negativa, em que são considerados bandidos sanguinários, até uma imagem romântica focada apenas no aspecto social sem levar em conta os atos de violência. Entre um extremo e outro talvez se encontre uma imagem mais próxima da realidade.
Quando a volante de piranhas emboscou Lampião, Maria Bonita e os outros onze componentes do bando, o cangaço já estava perdendo força. As estradas de rodagem iniciadas anos antes, depois da revolução de 1930, diminuíram a vantagem dos cangaceiros sobre os policiais, que passaram a deslocar-se de carro até bem perto dos esconderijos. A chegada dos telégrafos em maior número de cidades do sertão também contou pontos a favor das volantes.


As duas versões coincidem ao informar que naquele encontro Lampião passaria a liderança do grupo a Corisco, conhecido como Diabo Louro, mas por causa de um atraso a matança ocorreu antes que ele chegasse ao local. Mesmo assim, Corisco deu continuidade ao que sobrou do bando e agiu por mais dois anos até ser executado pela volante de Zé Rufino, o que parece ter colocado o ponto final na história do bando.
A missa do cangaço
Em homenagem aos cangaceiros mortos na emboscada de 1938, e em memória de todo o movimento, é rezada anualmente a Missa do Cangaço. O evento teve início de forma privada, organizado pela família de Lampião, mas hoje tem o apoio de várias empresas e instituições e faz parte do calendário de ecoturismo do Estado.
Além de preservar a história do cangaço, a área onde se localiza a Grota de Angico é também uma reserva estadual do bioma caatinga.
* Leia também a matéria sobre Piranhas.
**Quem não aguenta a maratona, pode ir até o local de carro, a partir de Canindé ou de Poço Redondo, do lado de Sergipe, mas a visita não tem o mesmo impacto.
Grota de Angico - Poço Redondo - Sergipe - Brasil
Texto: Sylvia Leite
(1,2,3, 4,5 e 6) Sylvia Leite
(7 e 8) Autor desconhecido.
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Uma história que faz parte da história do Nordeste. Uma narrativa brilhante, feita por uma jornalista nordestina, que domina a arte... Obrigado Sylvia Leite.
ResponderExcluirEu que agradeço, Leandro! Pela leitura e pelo comentário. Volte sempre.
ExcluirMuito bom seu texto, Sylvinha! Fiquei a imaginar quem seria o político sergipano que iria intermediar a rendição de Lampião...
ResponderExcluirAbraços
Val Cantanhede
KKK Melhor continuar imaginando. É mais instigante. Obrigada pelo comentário.
ExcluirGostei muito! Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, Mauro. Toda quinta tem postagem nova. Acompanhe!
ExcluirExcelente matéria sobre o encontro da volante x Lampião e final de uma estória do velho e sofrido Nordeste.
ResponderExcluirObrigada, Mário. Toda quinta tem matéria nova no blog. Volte sempre.
ExcluirJá fui conhecer! Um lugar incrível, gosto de tudo que concerne ao tema cangaço e você fez uma maravilhosa reportagem, fotos perfeitas, obrigado por difundir lugares do nordeste, minha terra!
ResponderExcluirEu que agradeço pela leitura e pelo comentário. Gostaria de saber seu nome. Da próxima vez não esqueça de dizer, ok? Abraço.
ExcluirMeu nome: Artur Dantas Filho e adoro sua página!
ExcluirQue bom, Artur. Fico feliz com isso. Toda semana tem matéria nova aqui no blog e todo dia tem link no Facebook para uma matéria já publicada. Acompanhe!
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