

Durante pelo menos 10 séculos, o Oráculo de Delfos, também conhecido como o Oráculo de Apolo, foi uma das mais influentes instituições do mundo antigo, especialmente entre os séculos VIII e IV antes de Cristo. Era procurado por todos os povos do Mediterrâneo e de outras regiões do globo, desde o cidadão comum, que buscava orientações sobre saúde, dinheiro e amor, até governantes e generais que queriam conselhos a respeito de guerras e conquistas territoriais. O Oráculo teria previsto, por exemplo, a Guerra de Troia e a aprovação das leis democráticas de Athenas.
Como adquiriu a fama de acertar nas previsões, recebia de poderosos e até de governos agradecidos, grandes doações em ouro e prata. A riqueza era utilizada na ampliação e no embelezamento do complexo, que incluía templos, anfiteatros e até alojamentos para os sacerdotes. A uma certa altura, os presentes passaram a superar os gastos e a instituição acumulou um enorme tesouro.
"Sei que nada sei"

Ao longo dos séculos houve casos de favorecimento dos poderosos que faziam doações, mas sempre no que diz respeito à preferência no atendimento, com colocação privilegiada nas filas. Até onde se sabe, nas poucas vezes em que as respostas foram influenciadas por acordos escusos, os corruptores foram desmoralizados e as pitonisas punidas.
Esse zelo pela veracidade das profecias e o seu potencial de acerto só faziam crescer o respeito ao oráculo. Até filósofos, que questionavam tudo, teriam acreditado em suas predições.
Platão, em seu diálogo "Apologia a Sócrates", diz que Querofonte, um dos discípulos de Sócrates, certa vez consultou o Oráculo de Delfos. Ele queria saber quem era o homem mais sábio da Grécia e a resposta foi Sócrates. Ao saber disso, Sócrates duvidou, pois não acreditava em seu próprio valor, e começou a entrevistar todos os homens sábios que conhecia na esperança de conseguir provar que o oráculo estava errado. Para sua surpresa, constatou que todos os entrevistados acreditavam saber muito sobre um ou mais temas, mas na verdade não sabiam tanto assim. Então concluiu que ele era realmente o mais sábio, por ter consciência de sua ignorância. E essa teria sido a origem da expressão "sei que nada sei".
Mergulhando no Oráculo
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Ônfulo mais antigo, hoje no museu, e ônfulo mais recente nas ruínas |
Há muitas versões sobre a maneira como isso ocorria. O que coincide em todas elas é o fato de as perguntas serem transmitidas, direta ou indiretamente, a uma mulher, que começava o dia de consultas se purificando em uma fonte sagrada e, antes de responder aos visitantes, inalava gases alucinógenos ou mastigava folhas de louro. Outro ponto coincidente em todas as versões é que as respostas vinham sempre em forma de versos enigmáticos.
A maneira como ocorriam as consultas em Delfos está relacionada à narrativa mitológica que descreve a criação do oráculo e o seu funcionamento.
Ônfalo ou umbigo mundo
O local pertencia originalmente a Gaia, a deusa da Terra, e era guardado por sua filha Pyton, uma figura mitológica - descrita por uns como serpente e por outros como uma fêmea de dragão - que teria o poder de emitir previsões. Apolo matou o monstro, deixando seus restos mortais embaixo da terra em permanente decomposição e, com apoio de Zeus, tomou posse do lugar para ali construir seu oráculo. Os gases emitidos pelos restos de Pyton teriam o poder de provocar uma espécie de transe desde que inalados por mulheres de boa reputação escolhidas entre as camponesas, que tinham seus espíritos possuídos por Apolo para receber as previsões.
Aquelas que sucessivamente exerceram a função divinatória receberam o nome de pítia ou pitonisa, em alusão à figura mitológica. Inicialmente, as pitonisas eram jovens, mas isso teria provocado raptos por parte de homens poderosos, então resolveram escolher para a função apenas mulheres de meia idade.
Racionalidade e êxtase místico
Nos primeiros tempos, as consultas eram feitas apenas uma vez por ano, na data do aniversário de Apolo, que cai em 7 de fevereiro, mas com o crescimento da demanda foi preciso alterar o calendário e o Oráculo passou a atender nove vezes por ano, um dia a cada mês, de fevereiro a outubro. Muitos se perguntam por que somente nove dias de atendimento mensal se o ano tem doze meses. A resposta provável é que os outros quatro eram dedicados a outro deus, Dioníso, que também residia ali.

No mês de novembro, cerimônias com dança, música e vinho eram realizadas em Delfos em homenagem a Dioníso. Conta-se que ritos secretos, envolvendo mulheres jovens, levavam seus participantes ao êxtase.
Enquanto Apolo encarnava a razão, a beleza, a música e o controle, Dioníso representava o êxtase, a embriaguez, a reprodução e a sexualidade. Os gregos acreditavam que, por diferentes meios, ambos eram capazes de proporcionar o auto-conhecimento: um pela introspecção e o outro pelo vinho. A convivência entre dois deuses com qualidades aparentemente opostas fazia do lugar um espelho do ser humano com seus aspectos complementares e trazia equilíbrio ao lugar.
Mito e realidade
Toda essa riqueza mitológica ficou perdida no tempo, guardada nos livros ou restrita a alguns grupos. Os oráculos também não fazem mais parte da vida dos gregos. Quem visita Delfos atualmente, pode ouvir de um guia que as pitonisas tinham truques para enganar o seu público. O mais repetido é relativo à consulta do sexo dos bebês. Elas informavam que a criança teria um determinado sexo e registravam nos arquivos o sexo oposto. Quando a previsão estava correta, não havia reclamação. Quando estava errada, a pitonisa usava o registro com o sexo trocado para provar que a mãe se enganou.
Esse ceticismo dominante na Grécia moderna em relação ao oráculo e aos mitos que o envolvem devem-se, principalmente, a uma mudança de mentalidade ocorrida ao longo dos séculos. A noção de mito que temos ordinariamente nos dias atuais é bem distinta da que tinham os gregos daquele período. Para eles, as histórias mitológicas eram estruturas narrativas, eram modelos, não no sentido moral de exemplo a ser seguido, mas no sentido de molde ou desenho que se repete. E os oráculos faziam parte da vida em sociedade. O filósofo Platão, em seu diálogo A República, chega a colocar um oráculo no centro da cidade ideal, embora não tivesse nenhum apreço pela religião.
Para os gregos, mito e realidade estavam intimamente ligados porque um dava forma ao outro e os oráculos, que pertenciam aos deuses, faziam parte daquela sociedade regida pelo sagrado. Hoje em dia, isso talvez possa ser visto em condição análoga à das religiões que lidam com mediunidade e à das correntes da psicanálise pois trabalham, cada grupo à sua maneira, com narrativas simbólicas e com o acesso a elementos invisíveis. Somente conhecendo um pouco dessa forma de pensar, teremos a chance de compreender o que se passava em Delfos.
Oráculo de Delfos - Delfos - Monte Parnaso - Grécia
Texto: Sylvia LeiteJornalista - MTB: 335 DRT-SE / Linkedin / Lattes
Fotos: Márcia Andrade de Almeida, Dinorah Regis e Sylvia Leite
Observação: Esta matéria resultou de uma visita a Delfos e de leituras diversas, mas também de uma troca de ideias com o artista e curador de artes visuais Gilberto Habib de Oliveira.
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Demais, Sylvinha! Deu saudade da Grécia e de toda a magia desse país incrível!
ResponderExcluirEu também fiquei com saudade. Beijo
ExcluirMuito bom texto, Sylvinha. Contribuiu para apreciar melhor a visita recente que fiz a Delfos e aumentar a curiosidade pelo intricado da Mitologia
ResponderExcluirObrigada, Jane. É uma honra receber esse tipo de elogio de uma escritora. Beijo
ExcluirAdorei Silvinha. Como disse Jane você complementou o que nos foi informado.
ResponderExcluirQue bom que gostou, Márcia, afinal essa matéria foi feita em parceria com você, que disponibilizou suas belas fotos. Obrigada, e agora que já aprendeu o caminho, volte sempre. Beijo
ExcluirLindo Texto com uma viagem de primeira classe , Parabéns Silvinha ������ Marcelo
ResponderExcluirObrigada, Marcelinho! Alguns de nossos amigos comuns estiveram comigo em Delfos. Pena que você não foi. beijo
ExcluirBelo trabalhob! Parabéns !
ExcluirObrigada, Rokstein.
ExcluirBem espertinhos esses caras .
ResponderExcluirVerdade! Obrigada pelo comentário!
ExcluirBeleza!Ah e com vinho , rsrsrs
ResponderExcluirTim tim!!!
ExcluirJung em suas pesquisas utilizou de oraculos para chegar ao inconsciente. A Grecia Antiga tem uma riquesa de conhecimento que não chegamos a esgotar. Parabéns Sylvia por nos enriquecer um pouco mais. Adorei.
ResponderExcluirAugusta Leite Campos
Obrigada, Gusta. Adoro ter você como leitora assídua.
ExcluirAdorei as explicações sobre este tesouro maravilhoso da antiguidade grega. As fotos também. É como se estivesse presente, vivenciando este momento mágico.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário. Pena que você não se identificou. Da próxima vez escreva seu nome ao final da mensagem.
ExcluirAdore
ExcluirI. Fui a Grecia mas ainda n fui lá. Mas irei.
Vá mesmo!Não vai se arrepender. Da próxima vez deixe seu nome, ok? Abraços!
ExcluirUm belo trabalho. Passa muito conhecimento. Parabéns.
ResponderExcluirObrigada, Maria Helena!
ExcluirUma boa reportagem. Parabéns
ResponderExcluirObrigada, Maria Helena. Beijo
ExcluirObrigada Sylvia!
ResponderExcluirEu que agradeço, Regina. Muito bom ter retorno dos leitores.
ExcluirNossa eu poderia passar horas lendo sobre o Oráculo de Delfos e seus lugar de profecias! Amo a mitologia grega e acho tão interessante saber como formava a sociedade dali com personagens tão emblemáticos.
ResponderExcluirEu também fico fascinada com a mitologia. Que bom que voce gostou. Volte sempre. Toda semana tem matéria nova no blog.
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